Só hoje terminei a leitura de todas as nossas "cartas de Amor" que são muitas, desde 1965, ano em que nos encontrámos pela primeira vez, até 1971, ano em que deixámos de nos escrever. Reencontrámo-nos em 1973 e casámos, mas, nesse ano, poucas cartas escrevemos, pois estávamos finalmente na mesma cidade - Lisboa. Foi um encontro casual.
Fiz desta tarefa - a leitura das cartas por datas - uma autêntica missão. Queria descobrir-me e ao meu marido, saber ao certo como foi todo o percurso que tivémos de fazer. Relembrei centenas de momentos, de frases, de palavras, de gestos, de sentimentos, dramas, etc. Também estão nelas registados os episódios mais importantes da vida das nossas famílias nesses anos todos. Vale a pena ler como memórias.
A incerteza pairava no ar e ele não queria, ou já não sentia como meta, casar-se comigo. Receava o futuro, sentia-se impotente contra uma série de contratempos que sempre pesaram na sua vida desde a morte do Pai em 1964. Sentia-se responsável pela Mãe, Avó e até pela Irmã, pessoas da família que nunca facilitaram e que até nos impediram de viver o nosso namoro em serenidade. Receava, sobretudo, que eu não me adaptasse aos condicionalismos da vida que me poderia oferecer. Repetiu-o até à exaustão quer em cartas, quer de viva voz. Mas eu persistia...
A distância tornava-se quase insuportável nas épocas de exames. Estávamos meses sem nos vermos, escrevíamo-nos cartas a encorajar-nos um ao outro, mas também sabíamos que os resultados dos exames seriam vitais para um futuro a dois. O meu marido terminou com média de 16 o curso de Direito em 1968, eu Germânicas com 15 em 1971. Tínhamos atingido as nossas metas, mas a vida ou o cansaço dum namoro tão prolongado acabou por trazer um resultado diferente do que eu esperava.
Em 1973, eu já tinha desistido de esperar, segui com a minha vida. Fiquei professora em Lisboa, tinha muitas colegas interessantes e uma vida extremamente ocupada.
Nunca consegui esquecê-lo, porém. Nem procurei outros rapazes com quem porventura pudesse sentir o mesmo tipo de paixão. Julgo que não conseguiria casar com outro, por melhor que ele fosse.O meu marido era único, nas qualidades e nos defeitos. Só depois da sua Morte, compreendi que tinha carisma, como disse o meu neto ao olhar para a sua fotografia.
Quando hoje acabei de ler as cartas e as arrumei numas caixas lindas que comprei especialmente para as guardar, senti uma nostalgia dolorosa.
Olho para o nosso retrato a sorrir e vem-me à cabeça um poema que ele me ofereceu uns dias depois de nos encontrar-nos, em Hamburgo.
When she comes
I have a love
Which I have not given
But want to give
And when she comes
I will be hers
And she mine.
And the hard day
And the soft day
Shall be ours
Together.
And I will give
And she will give
Forever.
Kieran Kilroy