sábado, 6 de março de 2021

Lockout à espera da primavera

 

Nunca imaginei na minha já longa vida ser capaz de viver dois meses dentro das paredes da minha casa + varanda+ pátio. Nunca vivi esta situação, mesmo a seguir ao 25 de Abril e mesmo quando estive grávida do meu João. Aí fui obrigada a viver em casa da minha irmã em Coimbra durante dois meses, mas podia sair de vez em quando com muito cuidado.

Cheguei à conclusão de que encontrei, nesta clausura, muitas formas de me redescobrir e passar o tempo, sem a depressão que domina as parangonas dos media, nem sequer dias de infelicidade extrema. Bem sei  que tenho a minha filha comigo , pois na véspera de ir para Leeds em Março, o irmão convenceu-a a ficar. Tenho os meus netos no prédio ao lado e vejo-os no pátio constantemente a jogar ou a fazer ginástica, falo com eles da janela ou eles vêm cá com máscaras e cumprindo os rituais. Mando vir tudo pela Glovo e estou satisfeitíssima de não andar com sacos e pesos, embora nem sempre tenham tudo o que quero. A minha filha tb vai por vezes ao supermercado e traz coisas urgentes. Nada me falta, tenho o frogorifico como nunca esteve.

Descobri, entretanto,  novas formas de pintar e de ler.

Ultimamente, enveredei pelas aguarelas, pois os acrilicos estavam secos e não sei quando os poderei adquirir. 

Fiz vários quadros diversos, como estes que aqui vêem de Fevereiro e Março:















Tenho lido muito em Kindle que é o meio mais prático para mim. Como vejo bem ao perto, posso escolher o tamanho da letra adequado e custa-me muito menos pegar no Ipad do que num livro normal. Alem disso compro os livros baratíssimos em inglês, que é a minha língua preferida. Li vários ultimamente sobre filmes ou séries de que gostei e outros mais documentais.

Há dias, escrevi este texto no blogue Fio de Prumo em resposta a um post em que a autora se congratulava pela abertura das livrarias ao público. A mim isso não me afectou, confesso.  Considero a questão menos pertinente do que muitas outras que paralisam o país.

"Já comprei mais livros este ano que nos anos anteriores sem sair de casa. Leio em Kindle com uma rapidez muito maior e sem ter de me deslocar a livrarias, onde já só ia para descontrair as pernas. 
Os livros em português são caríssimos, pesados, mal traduzidos na sua maior parte. Os autores clássicos portugueses podem-se ler grátis na net. Os romances actuais e os chamados livros de divulgação ou intimistas não são apelativos pelo menos para mim, exceptuamdo uma minoria. Tenho a casa cheia de livros e já dei mais de 200 à Biblioteca Municipal e aos bazares internacionais. 

Música pode-se ouvir no Spotify a toda a hora e o CMusic ou o Mezzo transmitem concertos na TV. A RTP2 também tem óptimos programas culturais. 
Acho muito mais grave fecharem os restaurantes com esplanada,  parques e jardins da cidade do Porto,  praias desertas , lugares de extraordinária beleza, onde é urgente passear. Mas ninguém escreve sobre isso. Desculpe o desabafo."


As únicas coisas que me fazem falta verdadeiramente : o mar, o cheiro da maresia, o espaço imenso dos campos e parques, poder sair sem me perguntarem onde vou. Mas isso aguenta-se...até quando????

Da minha varanda vejo o pôr do sol todos os dias e é sempre diferente. Também contemplo as árvores do jardim Botânico que já não visito há três meses. 

Mas sei que a primavera está aí. Como o meu Poeta preferido

Aqui fica o poema de Alberto Caeiro na voz do grande Pedro Lamares:





Quando vier a primavera,
Se eu já estiver morto,
As flores florirão da mesma maneira
E as árvores não serão menos verdes que na primavera passada.
A realidade não precisa de mim.

Sinto uma alegria enorme
Ao pensar que a minha morte não tem importância nenhuma.

Se soubesse que amanhã morria
E a primavera era depois de amanhã,
Morreria contente, porque ela era depois de amanhã.
Se esse é o seu tempo, quando havia ela de vir senão no seu tempo?
Gosto que tudo seja real e que tudo esteja certo;
E gosto porque assim seria, mesmo que eu não gostasse.
Por isso, se morrer agora, morro contente,
Porque tudo é real e tudo está certo.

Podem rezar latim sobre o meu caixão, se quiserem.
Se quiserem, podem dançar e cantar à roda dele.
Não tenho preferências para quando já não puder ter preferências.
O que for, quando for, é que será o que é.

Alberto Caeiro in Poemas inconjuntos