É um dos quadros que mais gosto mas não se adequa bem à primavera deste ano.
Esta é dum outro mundo, o ficcionado, aquele que nós adoramos e receamos simultaneamente.
A nossa condição de presos nas próprias casas não rima com a pujança de verdes lá fora, a pressa das folhas em desabrocharem e cobrirem os ramos esquálidos do inverno. É um grito da Natureza que nos fere os ouvidos, que nos dói e ao mesmo tempo extasia.
Como é que, estando o Homem confinado, preso e retido em casa, tudo lá fora continua a progredir naturalmente, com a mesma cadência e até com mais beleza?
Não é justo, pensamos nós, que as gaivotas e pássaros continuem à solta, pousando nos candeeiros em frente de casa e lançando-se em voos rasos diante dos nossos olhos.
Não é racional que nós não possamos ir lá fora à rua, à praia, aos campos, ao mar...pois se tudo era nosso até há dois dias...
Alberto Caeiro aceitava toda essa condição. Tinha uma humildade que eu não sinto. Este quadro pintado há oito anos exaltava a primavera. Hoje seria bem diferente.
Quando Vier a Primavera
Quando vier a Primavera,
Se eu já estiver morto,
As flores florirão da mesma maneira
E as árvores não serão menos verdes que na Primavera passada.
A realidade não precisa de mim.
Sinto uma alegria enorme
Ao pensar que a minha morte não tem importância nenhuma
Se soubesse que amanhã morria
E a Primavera era depois de amanhã,
Morreria contente, porque ela era depois de amanhã.
Se esse é o seu tempo, quando havia ela de vir senão no seu tempo?
Gosto que tudo seja real e que tudo esteja certo;
E gosto porque assim seria, mesmo que eu não gostasse.
Por isso, se morrer agora, morro contente,
Porque tudo é real e tudo está certo.
Podem rezar latim sobre o meu caixão, se quiserem.
Se quiserem, podem dançar e cantar à roda dele.
Não tenho preferências para quando já não puder ter preferências.
O que for, quando for, é que será o que é.
Alberto Caeiro, in "Poemas Inconjuntos"
Recitado por Pedro Lamares
Em tempo de pandemia, a Broadway abriu as portas ao mundo todo.
Todas as 6ªs feiras transmitem um show exactamente como foi actuado ao vivo.
Hoje foi Jesus Christ Superstar de Andrew Lloyd Webber, que vi em Londres precisamente há 50 anos, em 1970.
É um musical avassalador, que conjuga o drama da Paixão com a mentalidade hippie da época.
Esta versão é moderna e insinuante, assim como comovente e mesmo trágica.