Há meses que não escrevo nada no blogue. Falta de vontade, desinteresse, ausência de feedback dos leitores, demasiado FB. O blogue parece sempre um monólogo e reflexão, mais do que um diálogo ou conversa, como era dantes. Hoje quase ninguém lê blogues e perdeu se uma fonte criativa e cultural que faz falta nas redes. Mas ninguém tem paciência para ler mais de duas linhas e ainda menos para fazer comentários interessantes. C'est dommage.
Há 56 anos, encontrei o Amor da minha Vida.
Em Amsterdão, num passeio de barco. Démos as mãos e aí começou uma aventura de 8+29 anos.
Separámo-nos sem conflitos em 2002. O meu ex-marido faleceu em 2017. Nunca tivémos uma conversa sobre a nossa separação, encontrávamo-nos nas festas familiares, como se fosse a primeira vez. Os meus netos pensavam que o M. era meu namorado e um dia o André perguntou quando é que dávamos um beijo na boca!
Acompanhei-o nos seis meses que acabaram dolorosamente na CUF no dia 25 de Fevereiro poucos dias depois do seu aniversário.
As ultimas palavras que me disse foram: "Hoje estou feliz. Estás aqui. E posso beber vinho pois já nada me faz mal."
Ainda me custa pensar que ele não está cá e sonho muito mais com ele do que quando éramos casados. Sinto a falta de alguém mais velho ( apenas seis meses, mas com muito mais maturidade e bom senso) , alguém a quem possa contar tudo aquilo que me interessa ou apaixona.
Nas minhas ilusões , acredito que ele me ouviria e me defenderia sempre.
Foi sempre mais um Pai que um marido. Um Pai bastante exigente do qual, infelizmente, me tive de libertar.
Mas não faria nada de outro modo. O Amor foi perfeito enquanto existiu.
É bom poder viver a vida sem remorsos. Puz aqui uma carta que lhe escrevi dois meses depois de termos começado namoro. Foi sempre a minha atitude perante a nossa união.
É por isso que hoje escrevo aqui sobre nós dois. Por saudosismo. Porque como dizia Adamo " Cést ma vie, cést ma vie, je n'y peux rien, c'est elle qui ma choisi. C'est ma Vie. C'est pas l'Enfer, c'est pas le Paradis."
Nunca imaginei na minha já longa vida ser capaz de viver dois meses dentro das paredes da minha casa + varanda+ pátio. Nunca vivi esta situação, mesmo a seguir ao 25 de Abril e mesmo quando estive grávida do meu João. Aí fui obrigada a viver em casa da minha irmã em Coimbra durante dois meses, mas podia sair de vez em quando com muito cuidado.
Cheguei à conclusão de que encontrei, nesta clausura, muitas formas de me redescobrir e passar o tempo, sem a depressão que domina as parangonas dos media, nem sequer dias de infelicidade extrema. Bem sei que tenho a minha filha comigo , pois na véspera de ir para Leeds em Março, o irmão convenceu-a a ficar. Tenho os meus netos no prédio ao lado e vejo-os no pátio constantemente a jogar ou a fazer ginástica, falo com eles da janela ou eles vêm cá com máscaras e cumprindo os rituais. Mando vir tudo pela Glovo e estou satisfeitíssima de não andar com sacos e pesos, embora nem sempre tenham tudo o que quero. A minha filha tb vai por vezes ao supermercado e traz coisas urgentes. Nada me falta, tenho o frogorifico como nunca esteve.
Descobri, entretanto, novas formas de pintar e de ler.
Ultimamente, enveredei pelas aguarelas, pois os acrilicos estavam secos e não sei quando os poderei adquirir.
Fiz vários quadros diversos, como estes que aqui vêem de Fevereiro e Março:
Tenho lido muito em Kindle que é o meio mais prático para mim. Como vejo bem ao perto, posso escolher o tamanho da letra adequado e custa-me muito menos pegar no Ipad do que num livro normal. Alem disso compro os livros baratíssimos em inglês, que é a minha língua preferida. Li vários ultimamente sobre filmes ou séries de que gostei e outros mais documentais.
Há dias, escrevi este texto no blogue Fio de Prumo em resposta a um post em que a autora se congratulava pela abertura das livrarias ao público. A mim isso não me afectou, confesso. Considero a questão menos pertinente do que muitas outras que paralisam o país.
"Já comprei mais livros este ano que nos anos anteriores sem sair de casa. Leio em Kindle com uma rapidez muito maior e sem ter de me deslocar a livrarias, onde já só ia para descontrair as pernas.
Os livros em português são caríssimos, pesados, mal traduzidos na sua maior parte. Os autores clássicos portugueses podem-se ler grátis na net. Os romances actuais e os chamados livros de divulgação ou intimistas não são apelativos pelo menos para mim, exceptuamdo uma minoria. Tenho a casa cheia de livros e já dei mais de 200 à Biblioteca Municipal e aos bazares internacionais.
Música pode-se ouvir no Spotify a toda a hora e o CMusic ou o Mezzo transmitem concertos na TV. A RTP2 também tem óptimos programas culturais.
Acho muito mais grave fecharem os restaurantes com esplanada, parques e jardins da cidade do Porto, praias desertas , lugares de extraordinária beleza, onde é urgente passear. Mas ninguém escreve sobre isso. Desculpe o desabafo."
As únicas coisas que me fazem falta verdadeiramente : o mar, o cheiro da maresia, o espaço imenso dos campos e parques, poder sair sem me perguntarem onde vou. Mas isso aguenta-se...até quando????
Da minha varanda vejo o pôr do sol todos os dias e é sempre diferente. Também contemplo as árvores do jardim Botânico que já não visito há três meses.
Mas sei que a primavera está aí. Como o meu Poeta preferido
Aqui fica o poema de Alberto Caeiro na voz do grande Pedro Lamares:
Quando vier a primavera,
Se eu já estiver morto,
As flores florirão da mesma maneira
E as árvores não serão menos verdes que na primavera passada.
A realidade não precisa de mim.
Sinto uma alegria enorme
Ao pensar que a minha morte não tem importância nenhuma.
Se soubesse que amanhã morria
E a primavera era depois de amanhã,
Morreria contente, porque ela era depois de amanhã.
Se esse é o seu tempo, quando havia ela de vir senão no seu tempo?
Gosto que tudo seja real e que tudo esteja certo;
E gosto porque assim seria, mesmo que eu não gostasse.
Por isso, se morrer agora, morro contente,
Porque tudo é real e tudo está certo.
Podem rezar latim sobre o meu caixão, se quiserem.
Se quiserem, podem dançar e cantar à roda dele.
Não tenho preferências para quando já não puder ter preferências.