Dizem que o passado deve ficar no passado e que devemos viver o presente.
Impossível quando se está num local que é um autêntico baú de memórias.
Há 51 anos viemos para a Praia da Luz pela primeira vez. Recordei essa vinda excitante nas cartas que escrevi ao meu namorado todos os dias. Descrevia-lhe tintim por tintim o que fazia, quem via, como se passavam os dias, as actividades que fazíamos, idas à discoteca, à praia à noite, música e comidas. Tudo lá está com pormenores que já tinha esquecido. Ele às vezes cansava-se com as minhas descrições e comparava a minha vida com a sua no Porto atrás da Mãe ou na Curia no meio de velhinhos.
Nunca consegui convencê-lo a vir cá passar férias. Arranjava mil e um pretextos : exames de 2ª época, muito exigentes para quem queria 17s; mal estar geral, cansaço da vida coimbrã, necessidade dos mimos da Mãe e vice-versa. No fundo, tinha receio de não se adaptar a esta vida ao ar livre que nós fazíamos, sem horas e sem regras. Compreendo.
Hoje sinto que se passaram milhões de anos, uma vida inteira.
Fico deprimida a olhar para o mar. Isto tudo é lindo, sou a pessoa com mais sorte no mundo, mas as recordações vêm ao de cima e tenho saudades dum tempo que passou, dos meus Pais que amavam esta casa e que a decoraram, dos nossos amigos de juventude, que já nem sei onde param, dos passeios de barco a remos ou à vela, das brincadeiras e partidas que infligíamos uns aos outros, das cartas, das mangueiradas, do barulho.
Oiço o relógio da cozinha:
tic-tac. Está tudo calmo. A minha filha prepara-se para mais uns banhos lá em baixo. Anda feliz aqui, mas depois de amanhã vamos embora e ela vai para Leeds de novo. Eu terei de esperar 4 horas pelo meu vôo no aeroporto.
Faço anos amanhã. Pela primeira vez sem o meu marido. Estive sempre com ele, mesmo depois de nos separarmos. Mandava-me rosas, nunca outras prendas. Íamos jantar ao Churrascão Gaúcho, que era caro, mas selecto. Ás vezes íamos ao cinema. Onde isso já vai? Já nem me lembro dos 50 nem dos 60. No ano passado fomos ao BH Foz, que é simpático, mas não me diz nada.
Desta vez vou ver o jogo da selecção, jantar aqui uma quiche que comprei para comer com a Luisa. Vou arranjar um bolinho de anos com vela e ligar o skype para ver os meus meninos.
É um dia de anos sui generis. Mais um nesta caminhada.