Não resisti a transcrever aqui um texto do blogue Notas de Chá, que todos os dias leio e cada vez aprecio mais. E porque a minha Avó, que faria para o ano 120 anos, me deixou uma recordação igual e inesquecível,
a minha Avó Virgínia |
tomo a liberdade de usar as palavras de Miss Smile, a autora do blogue, agradecendo-lhe desde já a sua partilha.
Era uma voz
A minha avó era uma contadora de histórias nata. Em tom de brincadeira, costumava dizer que na cabeça lhe nasciam mais histórias do que cabelos. E, acreditem, a minha avó era dona de uma farta cabeleira. Nas noites quentes de verão, quando a lua dava sombra às suas histórias, ficávamos no jardim até tarde. A noite fazia crescer os campos, as flores e as árvores, e abria a minha imaginação. Numa época em que não havia ainda eletricidade naquela zona, a minha avó gostava de me contar histórias de pirilampos cujos sonhos só a noite – e ela, claro - conhecia. Ouvi-la era parar a contagem do tempo. Havia histórias de todos os tipos. As divertidas, como a do menino que todas as noites fazia chichi na cama até que o corpo se transformou numa nuvem de chuva, ou a da centopeia cleptomaníaca que, no inverno, roubava incansavelmente meias para os seus mil pés. Havia também as de terror - as histórias, por vezes, arrastam-nos para lugares perigosos, mas eu nunca dei parte de fraca - como a do cavaleiro sem cabeça que corria o mundo no seu cavalo negro, sem rumo e sem destino, para esquecer a amada que casara com outro. Havia as trágicas, como a da noiva que morrera no dia do casamento, fatalmente mordida por uma osga que se escondera no vestido durante a noite. Havia as mágicas, como a da macieira que dera nêsperas, ou como a do vento que soprara todos os dias do ano sem descanso, vergando as árvores e as costas das pessoas, que precisaram de um ano inteiro sem vento para ficar novamente com as costas direitas. Hoje sei que a minha avó inventava todas aquelas histórias à medida que as contava. Nas suas palavras, porém, havia sempre sinceridade. Sei que não as procurava, eram as histórias que vinham até ela. E nunca perdeu nenhuma, assim como nunca perdeu a voz, a doçura e os olhos bondosos. E porque eu acreditava em todas elas, as suas histórias levavam-me sempre muito longe. Creio que ela nunca soube a importância que as suas histórias tinham para mim. Talvez quem conta histórias não saiba bem o que está a fazer. Quando terminava, ficávamos as duas caladas, a aspirar o silêncio da história, o tempo suficiente para nos conhecermos uma à outra. Foi assim que fiquei a conhecer a minha avó. Por isso, todas as histórias, sobretudo as que nos contam na infância, não deviam começar por Era uma vez, mas
sim, por Era uma voz. A voz de quem nos ama.
Muito bonito ! Fez bem em partilhar . a minha mãe é que me contava histórias e minha irmã mais velha . Quando nasci as minhas duas avós já não gozavam de muita saúde e já tinham idades avançadas par a época . Mas lembro-me bem das suas presenças .
ResponderEliminarTinha respondido já a este seu comentário e desapareceu não sei como. E era grande. :(
EliminarOs meus avôs eram os dois exímios contadores de histórias em géneros muito diferentes. O meu Avô adorava o macabro, contava os libretos das óperas mais esquisitas, os contos italianos de duques e condes terríveis, inventava pelo meio muitas peripécias da sua imaginação. A minha Avó tinha umas histórias mais doces e pedagógicas que ela ia inventando à medida que os anos pasavam - nós éramos oito netos com diferença de 14 anos entre nós e ela foi Avó aos 41 anos. Só morreu aos 94. Houve muito tempo para histórias e muitos netos e até bisnetos. Eu sempre adorei contar histórias e fazia-o aos meus netos sempre que os ia buscar ao colégio, mas nunca inventava muito, contaca as fábulas, os contos populares e de fadas. Eles é que escolhiam. Bons tempos! Agora já só gostam de séries e tablets quando cá vêm. Aproveite os seus enquanto são pequeninos, pois crescem rapidamente....hoje vêm cá jantar os três, mas devem estar derreados depois de aulas, tenis, ballet e violino. Um sufoco de vida!! Bjinho
contava, desculpe.
EliminarAs histórias, a proximidade e o carinho são o melhor património que podemos alguma vez receber da família. São uma espécie de céu que nos protege e sob o qual, tenho a certeza, crescemos mais saudáveis, confiantes e incondicionalmente mais ricos. Fico muito feliz por saber que a Virginia tem também tão boas recordações da sua avó, como eu tenho da minha. A minha chamava-se Bárbara, mas era por todos tratada por avó Bia. Agradeço, muito, as suas generosas palavras e, não querendo ser lamechas, apetece-me dizer-lhe que a estimo muito, que gosto muito do que escreve e das fotos que publica.
ResponderEliminarUm beijinho :)
Sem dúvida Miss :). Já tinha saudades suas, embora nunca deixe de ler as suas crónicas que me enternecem. São tão bem escritas, tão lindas e comoventes que compensam de toda podridão dos telejornais, das novelas ou séries da TV. É um pedacinho da Lua que nos oferece no seu blogue...continue. Bjinho
EliminarQue texto lindo, também sou fã da Miss Smile
ResponderEliminarEla escreve muito bem e ao coração.
ResponderEliminarBjinhos