Há coisas na vida que não se esquecem. Ou porque nos traumatizaram e deixaram marcas ou porque foram tão belas que a nossa memória as perpetuou e não quer apagar.
Quando entrei para a Faculdade de Letras, pouco conhecia de poesia portuguesa e ainda menos da estrangeira. No liceu limitávamo-nos a estudar Camões e alguns poetas do sec XVII. Não estudei Fernando Pessoa, nem Sophia de Mello Breyner, nem Alexandre O'Neil, nem nenhum contemporâneo. E bem falta me fez.
Lembro-me de uma alusão vaga a Cesário Verde, cuja estátua ficava no Largo onde morava uma tia minha. Mas acho que pouco mais li dos simbolistas.
Na Faculdade, tive a sorte de ter como professor Joaquim Monteiro Grilo, cujo pseudónimo poético era Tomaz Kim; viera substituir o grande David Mourão Ferreira, a fazer um sabático nesse ano.
Todos diziam que este professor era pior.
Pelo contrário, no que me toca.
Foi o meu professor preferido, a par de Yvete Centeno e Álvaro Pina. Adorei a cadeira, atirei-me a ela com unhas e dentes, ia às práticas todas, intervinha e até parecia que percebia alguma coisa de poesia. Tive o meu primeiro 16 - o único em toda a vida académica - e jurei que iria fazer tese de licenciatura com este professor. O M. brincava com a minha paixoneta por um professor já pai de família. :)
Infelizmente dois anos depois, ele falecia em plena baixa de Lisboa, vítima dum ataque de coração. Morte súbita. Lembro-me que fui ao funeral e chorei copiosamente.
Numa das primeiras aulas de Teoria de Literatura, ouvimos dois discos, um de violoncelo e outro de violino. No anfiteatro enorme, o som ressoava e fazia eco.
Tínhamos de falar sobre o efeito emocional que o som de cada instrumento exercia em nós, qual o mais sonoro, qual o mais alegre, qual o mais melancólico, qual o mais plangente e doloroso.
É claro que quase todos escolhemos o violoncelo como o mais melancólico e pungente.
Não sabíamos exactamente o que é que aquilo tinha a ver com a literatura, mas estávamos a gostar da aula no anfiteatro cheio de alunos muito novos.
Foi-nos então distribuído o poema de Camilo Pessanha, que aqui podem ler e que todos nós desconhecíamos. Seguiu-se a sua análise. Aprendemos também o papel da aliteração na poesia simbolista.
Porque se comemoram agora 150 anos do nascimento deste grande poeta, quiz homenageá-lo aqui e ao meu querido professor, relembrando este episódio da minha vida, que ainda hoje me traz nostalgia.
Pode-se acompanhar a leitura com a audição das suites para violoncelo de Bach por Pablo Casals.
Quando entrei para a Faculdade de Letras, pouco conhecia de poesia portuguesa e ainda menos da estrangeira. No liceu limitávamo-nos a estudar Camões e alguns poetas do sec XVII. Não estudei Fernando Pessoa, nem Sophia de Mello Breyner, nem Alexandre O'Neil, nem nenhum contemporâneo. E bem falta me fez.
Lembro-me de uma alusão vaga a Cesário Verde, cuja estátua ficava no Largo onde morava uma tia minha. Mas acho que pouco mais li dos simbolistas.
Na Faculdade, tive a sorte de ter como professor Joaquim Monteiro Grilo, cujo pseudónimo poético era Tomaz Kim; viera substituir o grande David Mourão Ferreira, a fazer um sabático nesse ano.
Todos diziam que este professor era pior.
Pelo contrário, no que me toca.
Foi o meu professor preferido, a par de Yvete Centeno e Álvaro Pina. Adorei a cadeira, atirei-me a ela com unhas e dentes, ia às práticas todas, intervinha e até parecia que percebia alguma coisa de poesia. Tive o meu primeiro 16 - o único em toda a vida académica - e jurei que iria fazer tese de licenciatura com este professor. O M. brincava com a minha paixoneta por um professor já pai de família. :)
Infelizmente dois anos depois, ele falecia em plena baixa de Lisboa, vítima dum ataque de coração. Morte súbita. Lembro-me que fui ao funeral e chorei copiosamente.
Numa das primeiras aulas de Teoria de Literatura, ouvimos dois discos, um de violoncelo e outro de violino. No anfiteatro enorme, o som ressoava e fazia eco.
Tínhamos de falar sobre o efeito emocional que o som de cada instrumento exercia em nós, qual o mais sonoro, qual o mais alegre, qual o mais melancólico, qual o mais plangente e doloroso.
É claro que quase todos escolhemos o violoncelo como o mais melancólico e pungente.
Não sabíamos exactamente o que é que aquilo tinha a ver com a literatura, mas estávamos a gostar da aula no anfiteatro cheio de alunos muito novos.
Foi-nos então distribuído o poema de Camilo Pessanha, que aqui podem ler e que todos nós desconhecíamos. Seguiu-se a sua análise. Aprendemos também o papel da aliteração na poesia simbolista.
Porque se comemoram agora 150 anos do nascimento deste grande poeta, quiz homenageá-lo aqui e ao meu querido professor, relembrando este episódio da minha vida, que ainda hoje me traz nostalgia.
Pode-se acompanhar a leitura com a audição das suites para violoncelo de Bach por Pablo Casals.
- Chorai arcadas
- Do violoncelo!
- Convulsionadas,
- Pontes aladas
- De pesadelo...
- De que esvoaçam,
- Brancos, os arcos...
- Por baixo passam,
- Se despedaçam,
- No rio, os barcos.
- Fundas, soluçam
- Caudais de choro...
- Que ruínas, (ouçam)!
- Se se debruçam,
- Que sorvedouro!...
- Trémulos astros...
- Solidões lacustres...
- —: Lemes e mastros...
- E os alabastros
- Dos balaústres!
- Urnas quebradas!
- Blocos de gelo...
- — Chorai arcadas,
- Despedaçadas,
- Do violoncelo.
- Camilo Pessanha (1900)
Não conhecia o poema (leio pouco poesia), gostei
ResponderEliminarEsta poesia foi dada na aula juntamente com um de Verlaine que já mencionei aqui. São simbolistas.
ResponderEliminarBjinhos