quinta-feira, 21 de março de 2019

Dia Mundial da Poesia




Tenho escrito inúmeros posts sobre este dia e neste dia desde que iniciei o meu blogue em 2009.

Há sete anos, até coloquei fotos de poemas escritos pelo meu irmão e pinturas minhas a propósito, como podem verificar no meu blogue antigo. Já foi há tanto tempo!

Hoje não vou transpôr nada de pessoal para aqui, mas tão somente um poema bastante angustiante que hoje li, com um humor que nos desarma.

A Poesia também é cruel por vezes.

E pode ser tão, tão desesperada...


Viver sempre também cansa.
O sol é sempre o mesmo e o céu azul

ora é azul, nitidamente azul,
ora é cinzento, negro, quase-verde…
Mas nunca tem a cor inesperada.

O mundo não se modifica.

As árvores dão flores,
folhas, frutos e pássaros
como máquinas verdes.

As paisagens também não se transformam.

Não cai neve vermelha,
não há flores que voem,
a lua não tem olhos
e ninguém vai pintar olhos à lua.
Tudo é igual, mecânico e exacto.

Ainda por cima os homens são os homens.

Soluçam, bebem, riem e digerem
sem imaginação.

E há bairros miseráveis sempre os mesmos,

discursos de Mussolini,
guerras, orgulhos em transe,
automóveis de corrida…
E obrigam-me a viver até à Morte!

Pois não era mais humano

morrer por um bocadinho,
de vez em quando,
e recomeçar depois,
achando tudo mais novo?

Ah! se eu pudesse suicidar-me por seis meses,

morrer em cima de um divã
com a cabeça sobre uma almofada,
confiante e sereno por saber
que tu velavas, meu amor do Norte.

Quando viessem perguntar por mim,

havias de dizer com teu sorriso
onde arde um coração em melodia:
“Matou-se esta manhã.
Agora não o vou ressuscitar
por uma bagatela.”

E virias depois, suavemente,

velar por mim, subtil e cuidadosa,
pé ante pé, não fosses acordar
a Morte ainda menina no meu colo…

José Gomes Ferreira

2 comentários:

  1. Na mesma "linha" e também de J.Gomes Ferreira

    Devia morrer-se de outra maneira.
    Transformarmo-nos em fumo, por exemplo.
    Ou em nuvens.
    Quando nos sentíssemos cansados, fartos do mesmo sol
    a fingir de novo todas as manhãs, convocaríamos
    os amigos mais íntimos com um cartão de convite
    para o ritual do Grande Desfazer: "Fulano de tal comunica
    a V. Exa. que vai transformar-se em nuvem hoje
    às 9 horas. Traje de passeio".
    E então, solenemente, com passos de reter tempo, fatos
    escuros, olhos de lua de cerimônia, viríamos todos assistir
    a despedida.
    Apertos de mãos quentes. Ternura de calafrio.
    "Adeus! Adeus!"
    E, pouco a pouco, devagarinho, sem sofrimento,
    numa lassidão de arrancar raízes...
    (primeiro, os olhos... em seguida, os lábios... depois os cabelos... )
    a carne, em vez de apodrecer, começaria a transfigurar-se
    em fumo... tão leve... tão sutil... tão pòlen...
    como aquela nuvem além (vêem?) — nesta tarde de outono
    ainda tocada por um vento de lábios azuis...

    Ab
    Regina

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    1. Genial, Regina.
      Estou a descobrir este poeta, que já conhecia mal. Uma das minhas amigas era apaixonada pela poesia dele.
      Obrigada por vires aqui. Oxalá a tua saúde esteja mais equilibrada. Bjo

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