domingo, 30 de julho de 2023

Sem amanhã

 Acordo sem vontade de me levantar, viver, comunicar. 

Acordo com vontade de continuar a dormir, embrulhada no edredom, acariciando a almofada, no quarto escuro como breu, ignorando o relógio, esquecida das horas, dos outros, do sol lá fora, das flores e da beleza das árvores. Acordo sem vontade de pintar, com asco aos pincéis, às tintas, aos papéis, ao atelier. Acordo sem apetite para nada, ciente de que não vou ver o meu filho mais novo até 6 feira, apesar de serem férias, ciente de que vou estar o mês quase todo sem o resto da família que vai viajar, sem poder ir a praia por falta de forças, farta da monotonia destes dias de verão. 

Acordo com a certeza de que a quimio me vai piorar a neuropatia dos meus pés, o ardor dos lábios e o enjoo habitual se não trouxer outros efeitos piores.



Acordo com vontade de fechar a cortina da vida, acabar já com tudo. 

Sem planos. 

Sem looking forward to. Sem sonhos. Sonhar em quê?

 

Estas JMJ deprimem me. Fogo fátuo. Daqui a 50 anos todos estes jovens serão burgueses instalados, nem á Missa irão. Uma percentagem ter-se á dedicado a causas, mas o mundo cada vez está pior e são gotas de água no oceano.

Não acredito em mais nada, não é o Papa que vai mudar o mundo. Esta adoração duma pessoa irrita me como aos protestantes e outros crentes em religiões onde não há Papas. Ninguém é dono da Igreja. Ninguém tem o direito de gerir os milhões que lhes oferecem. Ninguém é sagrado. E muito menos santo.

Só a Ciência modifica o estado das coisas. Só a Ciência transforma e cura. 

Amo os laboratórios, os frascos, as amostras, as pipetas. Só eles me manterão viva. Confio na minha médica, mas ela não faz milagres.


Amanhã poderei estar viva e optimista. 

Se eu quiser.

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