Há cerca de 30 anos foi publicada na National Geographic Magazine uma fotografia que impressionou o mundo inteiro. Tratava-se de uma rapariga afegã, apanhada de surpresa por um fotógrafo inglês, que visitava a sua escola. A expressão do seu olhar, semi-incrédula, semi assustada correu mundo e catapultou o autor para a fama, que já era alguma.
Ontem fui ver a Exposição na Alfândega do Porto. É impossível descrever as sensações que me assaltaram naquelas duas horas. O local é magnífico, a apresentação brilhante, a luz adequada, o ambiente óptimo.
As fotos são o que são. Entram por nós adentro, deixa-nos sem fala, desejosos de saber mais. Isso é possível com algumas, se tivermos um controle remoto que nos narra a história da fotografia pelo próprio autor. Fascinante.
Há muito tempo que não tinha experiência cultural deste calibre. A exposição acaba hoje, mas gostaria de a ter visto mais duma vez. Vale bem a pena.
Nos anos 90 comprei um livro Portraits de Steve McCurry da Phaidon e ontem estive a rever as fotos. Muitas não estão nesta exposição que abarca outros temas como a guerra, os refugiados, a religião, os costumes, a família, a pobreza dos países mais variados. São rostos que ficam, imagens eternas.
Ficam aqui algumas das fotos que tirei.
A minha filha foi comigo. Aqui está ela no décor da exposição. Apetecia-me fotografar :)
Para isso fomos feitos: Para lembrar e ser lembrados Para chorar e fazer chorar Para enterrar os nossos mortos — Por isso temos braços longos para os adeuses Mãos para colher o que foi dado Dedos para cavar a terra. Assim será nossa vida: Uma tarde sempre a esquecer Uma estrela a se apagar na treva Um caminho entre dois túmulos — Por isso precisamos velar Falar baixo, pisar leve, ver A noite dormir em silêncio. Não há muito o que dizer: Uma canção sobre um berço Um verso, talvez de amor Uma prece por quem se vai — Mas que essa hora não esqueça E por ela os nossos corações Se deixem, graves e simples. Pois para isso fomos feitos: Para a esperança no milagre Para a participação da poesia Para ver a face da morte — De repente nunca mais esperaremos... Hoje a noite é jovem; da morte, apenas Nascemos, imensamente.
Já tinha desesperado de ver as árvores vestidas de outono. Fui várias vezes ao Botânico, andei no parque da cidade, passava pelas ruas que habitualmente ostentam as cores maravilhosas e quentes desta estação e... nada.
Esta semana, parece que passou por aqui uma fada e a juntar ao tempo estival, temperaturas amenas e falta de chuva, veio o outono finalmente.
O jardim Botânico às 5 da tarde, com o sol já a por-se , mas a iluminar as copas das árvores e a permitir contrastes sol-sombra mais agressivos, oferecia um espectáculo inolvidável.
Julguei estar no Brasil ou na Madeira, um lugar exótico, tal a profusão de cores e a beleza das espécies que fazem deste jardim algo muito especial.
Sophia de Mello Breyner escreveu uma carta ao seu querido Primo Rúben Andersen Leitão, vulgo Ruben A., na ocasião da sua morte, que fala desta casa e deste jardim. Eles melhores que ninguém saberiam apreciar estas cores e momentos.
Aqui fica a carta com as fotos que hoje tive a sorte de tirar. Também fica a música maravilhosa do islandês Olafur Arnalds, uma peça que considero genial.
Carta a Ruben A.
Que tenhas morrido é ainda uma notícia Desencontrada e longínqua e não a entendo bem
Quando — pela última vez — bateste à porta da casa e te sentaste à mesa
Trazias contigo como sempre alvoroço e início Tudo se passou em planos e projectos E ninguém poderia pensar em despedida
Mas sempre trouxeste contigo o desconexo De um viver que nos funda e nos renega — Poderei procurar o reencontro verso a verso E buscar — como oferta — a infância antiga
A casa enorme vermelha e desmedida Com seus átrios de pasmo e ressonância O mundo dos adultos nos cercava E dos jardins subia a transbordância De rododendros délias e camélias De frutos roseirais musgos e tílias
As tílias eram como catedrais Percorridas por brisas vagabundas As rosas eram vermelhas e profundas E o mar quebrava ao longe entre os pinhais
Morangos e muguet e cerejeiras Enormes ramos batendo nas janelas Havia o vaguear tardes inteiras E a mão roçando pelas folhas de heras Havia o ar brilhante e perfumado Saturado de apelos e de esperas
Desgarrada era a voz das primaveras
Buscarei como oferta a infância antiga Que mesmo tão distante e tão perdida Guarda em si a semente que renasce
You
will say that everybody has seen landscapes and figures from childhood on. The
question is: has everybody also been reflective as a child, has everybody who
has seen them loved also heath, fields, meadows, woods, and the snow and the
rain and the storm? Not everybody has done that like you and I, it is a
peculiar kind of surroundings and circumstances that must contribute to it, it
is a peculiar kind of temperament and character too, which must help to make it
take root . . . Van Gogh, Vincent. / letters
sábado, 21 de outubro de 2017
Estou com uma menina pequena diante do mar
bravíssimo, louco, enfurecido, a ouvir este estrondo e o fantástico cantor Benjamin Clementine.
A vida é assim, sou feliz por tudo.
Liberdade acima de tudo, nenhumas amarras, faço
o que quero, vivo intensamente o dia... até quando?..
Este cheiro da maresia,
as areias que sobem até aqui, a espuma branca resplandecente, tudo isto
sou eu neste momento. A Natureza é
única e há que amá-lá até ao infinito.
E tudo voltará a encantar-nos. Ela resiste à guerra dos homens.
Pintei este quadro há dias, ainda não tinha havido os incêndios de domingo. E penso como Alberto Caeiro, o poeta da Natureza:
O mistério das cousas? Sei lá o que é mistério! O único mistério é haver quem pense no mistério. Quem está ao sol e fecha os olhos, Começa a não saber o que é o sol E a pensar muitas cousas cheias de calor. Mas abre os olhos e vê o sol,
E já não pode pensar em nada, Porque a luz do sol vale mais que os pensamentos De todos os filósofos e de todos os poetas. A luz do sol não sabe o que faz E por isso não erra e é comum e boa. Metafísica? Que metafísica têm aquelas árvores? A de serem verdes e copadas e de terem ramos E a de dar fruto na sua hora, o que não nos faz pensar, A nós, que não sabemos dar por elas. Mas que melhor metafísica que a delas, Que é a de não saber para que vivem Nem saber que o não sabem?
Tenho pensado bastante nos Catalães e na frustração que devem sentir neste momento. Sem saída. Desiludidos, impedidos de sonhar o impossível. É o que dá o idealismo desmesurado.
Nunca estive em Barcelona, mas parece que conheço a cidade toda. Os meus filhos estiveram lá todos, li livros e revistas sobre a região e muita coisa sobre Gaudi.
Ir lá é um dos meus sonhos e espero que seja possível. A arquitectura da Sagrada Familia fascina-me.
Na Wiki encontrei esta informação sobre o album Gaudi, o último dos Alan Parson's Project, dedicado ao grande arquitecto, album esse que, em tempos comprei em vinyl e continuo a ouvir agora no Spotify.
É fascinante, música e letra extraordinárias, algumas mesmo sublimes.
Sempre ouvi esta banda com prazer. A primeira vez que os ouvi foi num ginásio em frente à minha casa, chamado Jump, que frequentei nos anos 80. Fazíamos ginástica de manutenção ao som desta banda e dos Dire Straits, que, depois, se tornaram ídolos dos meus filhos. Muitas vezes os ouvi nas aulas com os meus alunos também.
Gaudi is the tenth album by The Alan Parsons Project, released in 1987. Gaudi refers to Antoni Gaudí, the Catalan Spanish architect, and the opening track references what is probably his best known building, la Sagrada Família. A musical with the same name based on the songs of this album was released in 1993 in Germany with the songs sung in English.This was the final Alan Parsons Project studio album.
"Closer To Heaven"
Rising and falling lighter than air Silently calling no one is there Oh, bird that is flying so high and so free Closer to heaven than you and me
Voices of strangers keep me from sleep Guardian angels watch over the deep A ship that is sailing way out to the sea Closer to heaven than you and me
Visions of rain fall out of blue skies Rivers of tears flow out of dry eyes Answer my question tell me no lies Is this the real world or a fool's paradise?
Wind that is blowing so wild and so free Closer to heaven than you and me
Closer to heaven longing to be Closer to heaven than you and me
Visions of rain fall out of blue skies Rivers of tears flow out of dry eyes Answer my question tell me no lies Is this the real world or a fool's paradise?
Love that lies sleeping wakes in the night Secrets for keeping that won't see the light I look to the future and I hope it will be Closer to heaven than you and me
Closer to heaven longing to be Closer to heaven than you and me
Não resisti a transcrever aqui um texto do blogue Notas de Chá, que todos os dias leio e cada vez aprecio mais. E porque a minha Avó, que faria para o ano 120 anos, me deixou uma recordação igual e inesquecível,
a minha Avó Virgínia
tomo a liberdade de usar as palavras de Miss Smile, a autora do blogue, agradecendo-lhe desde já a sua partilha.
Era uma voz
A minha avó era uma contadora de histórias nata. Em tom de brincadeira, costumava dizer que na cabeça lhe nasciam mais histórias do que cabelos. E, acreditem, a minha avó era dona de uma farta cabeleira. Nas noites quentes de verão, quando a lua dava sombra às suas histórias, ficávamos no jardim até tarde. A noite fazia crescer os campos, as flores e as árvores, e abria a minha imaginação. Numa época em que não havia ainda eletricidade naquela zona, a minha avó gostava de me contar histórias de pirilampos cujos sonhos só a noite – e ela, claro - conhecia. Ouvi-la era parar a contagem do tempo. Havia histórias de todos os tipos. As divertidas, como a do menino que todas as noites fazia chichi na cama até que o corpo se transformou numa nuvem de chuva, ou a da centopeia cleptomaníaca que, no inverno, roubava incansavelmente meias para os seus mil pés. Havia também as de terror - as histórias, por vezes, arrastam-nos para lugares perigosos, mas eu nunca dei parte de fraca - como a do cavaleiro sem cabeça que corria o mundo no seu cavalo negro, sem rumo e sem destino, para esquecer a amada que casara com outro. Havia as trágicas, como a da noiva que morrera no dia do casamento, fatalmente mordida por uma osga que se escondera no vestido durante a noite. Havia as mágicas, como a da macieira que dera nêsperas, ou como a do vento que soprara todos os dias do ano sem descanso, vergando as árvores e as costas das pessoas, que precisaram de um ano inteiro sem vento para ficar novamente com as costas direitas. Hoje sei que a minha avó inventava todas aquelas histórias à medida que as contava. Nas suas palavras, porém, havia sempre sinceridade. Sei que não as procurava, eram as histórias que vinham até ela. E nunca perdeu nenhuma, assim como nunca perdeu a voz, a doçura e os olhos bondosos. E porque eu acreditava em todas elas, as suas histórias levavam-me sempre muito longe. Creio que ela nunca soube a importância que as suas histórias tinham para mim. Talvez quem conta histórias não saiba bem o que está a fazer. Quando terminava, ficávamos as duas caladas, a aspirar o silêncio da história, o tempo suficiente para nos conhecermos uma à outra. Foi assim que fiquei a conhecer a minha avó. Por isso, todas as histórias, sobretudo as que nos contam na infância, não deviam começar por Era uma vez, mas
Alguns são precoces, outros serôdios, uns começam em Setembro, outros só se manifestam em Novembro.
2015
Todos os anos as mesmas árvores do Botânico, da Casa das Artes ou aqui do Campo Alegre perdem a folha em fases diferentes do ano, depois dum processo de uma beleza espectacular.
2016
O meu filho, que está nos EU, dizia-me hoje que a Natureza fará sempre parte do seu percurso de vida, mesmo nas alturas de grande stress. Disse-me que saía a mim. Penso que sim, o Pai era mais caseiro e citadino. Pedi-lhe que me levasse com ele quando pudesse, pois prometia não falar, não gritar, nem rir...em suma, limitar-me-ia a contemplar a paisagem na sua companhia. O problema são as viagens longas e as caminhadas que não posso fazer.
2017
Hoje saí com a ideia de ir a Serralves, mas desisti por causa do calor abafado que se faz sentir aqui no Porto e que é mais acentuado por causa dos incêndios de Valongo, aqui bem perto. Talvez saia mais tarde se o meu filho mais novo não vier jantar, custa-me estar em casa com uma tarde linda.
2013
Entretive-me a comparar fotos dos mesmos locais em diferentes anos, no Outono e no inverno e descobri algumas interessantes, aqui do Botãnico e das imediações.
Curioso é também comparar as mesma árvores em pleno verão e no Outono. Qualquer delas é belíssima. Aqui trata-se do tulipeiro da Casa das Artes, uma das maiores da cidade.
Uma visão mais ampla abrange o contraste verão -inverno. Fantástico.
Lindos, os liquidambares de Serralves, que ainda não vi este ano. Normalmente só ficam castanhos em Novembro-Dezembro.
Aqui na minha rua , gozo da companhia dos áceres, para mim, os que têm, talvez, as folhas mais irisadas e belas de todas. Começam agora a amarelecer, mas esta mutação dura três meses. Ao pôr do sol são uma beleza, que admiro aqui da varanda, sem sair de casa.
Em tempos comprei um livro na Feira do Livro : Um Porto de Árvores da editora Campo Aberto. É um livro lindo e muito barato- 10€, apenas.
Tem fotografias belíssimas, mas algumas talvez não dêem suficiente valor aos originais.
Tenho procurado fotografar as mesmas à minha maneira :)
Há coisas na vida que não se esquecem. Ou porque nos traumatizaram e deixaram marcas ou porque foram tão belas que a nossa memória as perpetuou e não quer apagar.
Quando entrei para a Faculdade de Letras, pouco conhecia de poesia portuguesa e ainda menos da estrangeira. No liceu limitávamo-nos a estudar Camões e alguns poetas do sec XVII. Não estudei Fernando Pessoa, nem Sophia de Mello Breyner, nem Alexandre O'Neil, nem nenhum contemporâneo. E bem falta me fez.
Lembro-me de uma alusão vaga a Cesário Verde, cuja estátua ficava no Largo onde morava uma tia minha. Mas acho que pouco mais li dos simbolistas.
Na Faculdade, tive a sorte de ter como professor Joaquim Monteiro Grilo, cujo pseudónimo poético era Tomaz Kim; viera substituir o grande David Mourão Ferreira, a fazer um sabático nesse ano.
Todos diziam que este professor era pior.
Pelo contrário, no que me toca.
Foi o meu professor preferido, a par de Yvete Centeno e Álvaro Pina. Adorei a cadeira, atirei-me a ela com unhas e dentes, ia às práticas todas, intervinha e até parecia que percebia alguma coisa de poesia. Tive o meu primeiro 16 - o único em toda a vida académica - e jurei que iria fazer tese de licenciatura com este professor. O M. brincava com a minha paixoneta por um professor já pai de família. :)
Infelizmente dois anos depois, ele falecia em plena baixa de Lisboa, vítima dum ataque de coração. Morte súbita. Lembro-me que fui ao funeral e chorei copiosamente.
Numa das primeiras aulas de Teoria de Literatura, ouvimos dois discos, um de violoncelo e outro de violino. No anfiteatro enorme, o som ressoava e fazia eco.
Tínhamos de falar sobre o efeito emocional que o som de cada instrumento exercia em nós, qual o mais sonoro, qual o mais alegre, qual o mais melancólico, qual o mais plangente e doloroso.
É claro que quase todos escolhemos o violoncelo como o mais melancólico e pungente.
Não sabíamos exactamente o que é que aquilo tinha a ver com a literatura, mas estávamos a gostar da aula no anfiteatro cheio de alunos muito novos.
Foi-nos então distribuído o poema de Camilo Pessanha, que aqui podem ler e que todos nós desconhecíamos. Seguiu-se a sua análise. Aprendemos também o papel da aliteração na poesia simbolista.
Porque se comemoram agora 150 anos do nascimento deste grande poeta, quiz homenageá-lo aqui e ao meu querido professor, relembrando este episódio da minha vida, que ainda hoje me traz nostalgia.
Pode-se acompanhar a leitura com a audição das suites para violoncelo de Bach por Pablo Casals.
Hoje passei um dia espectacular.
Junto ao mar, claro.
Fiz das minhas idas à Foz ou a Matosinhos um hábito.
Ontem li um artigo que explica bem os efeitos que a proximidade do mar exerce nas pessoas: pacifica, relaxa, actua sobre a nossa psique dum modo positivo.
Desde que perdi o meu ex-marido, mergulhei numa depressão grande, que cedo comecei a combater.
Consegui a pouco e pouco aceitar esta perda e a viver com e sem ele, num diálogo que é feito pela alma, que não pelo físico. Todos os dias olho para a sua foto várias vezes e sinto-me em paz.
Escrevo no meu diário todas as actividades que me absorvem e tudo o que me vai no íntimo e que não interessa a mais ninguém.
Duvido até que alguém venha a ler o que escrevo, não estou sequer interessada nisso, o que lá está poderá ser um dia o meu modo de relembrar o que fiz durante estes anos que me restam - quantos, não sei!
Estive na esplanada quase sozinha durante duas horas a apanhar com os salpicos e pedrinhas pequeninas , lançadas pela espuma das ondas, que se quebra com estrépito na rocha a que chamo de esfinge, pois tem uma cabeça e tronco, tal como a outra do Nilo.
Hoje o mar estava espantoso, furibundo, como se se quisesse vingar dos banhos que tantos aproveitaram nestes dias.
O contraste entre as fotos que tirei ontem ao fim da tarde e as que tirei hoje no mesmo local é impressionante, parece outro país e outra paisagem. É isto o que me fascina no mar. Sempre em mutação, sempre impressionante, sempre majestoso e imenso. A linha do horizonte, mesmo quando quase se não vê como hoje , está lá a dar-nos força e dimensão.
Ouvi no Spotify a música do momento: Benjamin Clementine, que fez furor em Paredes de Coura no festival, onde 3000 pessoas o aplaudiram. Uma voz sonora, melódica, apaixonante que faz calafrios a quem ouve a sério. Estou a gostar cada vez mais deste cantor inglês , que se intitula cidadão do mundo ou alien. Um dia destes escreverei só sobre ele.