domingo, 13 de outubro de 2013

Seis da manhã - Memórias do meu Avô

Acordei há uma hora como se tivesse dormido a noite inteira. Deitei-me eram 2 da manhã, de modo que dormi apenas três. Não conseguia estar na cama....
Acabei agora mesmo de ler o livro sobre o meu Avô, escrito pelo meu Irmão mais novo e apresentado há uma semana. O meu filho esteve no seu lançamento na Sociedade de Geografia e comoveu-se extraordinariamente com a presença de inúmeras pessoas da família e outras que ele não conhecia, todos interessados num livro biográfico - mas não só - que levou, segundo o meu Irmão, oito anos a compilar, a selecionar, a recortar e a comentar.

O que gosto neste livro é do equilíbrio entre a aproximação e o distanciamento que o meu irmão, enquanto narrador, consegue estabelecer nos diversos capítulos do livro.

Há capítulos que analisam momentos históricos e que nos são descritos pela mão do meu Avô,  um homem nascido em Goa, onde viveu até aos 25 anos,  patriota, viajado, perfeitamente lúcido e crítico do seu país e do mundo em geral.  Pelo meio, surgem outros capítulos mais ego-centrados, onde a sua personalidade emerge, deixando-nos um testemunho luminoso mas pungente do dia a dia na "pútrida" Lisboa, que ele considerava um mundinho mesquinho e cheio de si, sem noção da sua pequenez e insignificância social.

O meu Irmão limita-se a comentar em notas de rodapé alguns enganos que, anos mais tarde, provariam como o meu Avô estava iludido, por exemplo,  quanto ao amor que a sua filha, demasiado ocupada com a casa, a vida profissional do meu Pai,  ou os seus oito filhos, ainda jovens e a frequentarem o liceu, lhe dedicava. O meu Avô não se conformava com a distância das pessoas que amava.

A vida corta sempre os laços entre pais e filhos por muito que os queiramos manter à nossa beira.  A distância entre a nossa casa no Restelo e a dos meus Avós era de uns dez kilometros, o autocarro levava meia hora e nem sempre tínhamos tempo para os ir visitar, mas, mesmo assim, muitas vezes almoçámos por lá, passámos tardes de sábado inteiras (que adorávamos) naquela bela marquise cheia de plantas lindas e peças indianas ou no seu escritório,um verdadeiro manancial de objectos com a marca do meu Avô, desde as caveiras que nos metiam medo até aos Mefistófeles esguios, Budas em várias posições, caixas de sândalo e uma estante giratória com livros encadernados e por vezes forrados por ele com letras douradas.
 O que me surpreendeu mais foi verificar pelas suas Memórias que o meu Avô foi um Homem muito só, apesar de estar rodeado de pessoas que lhe queriam bem. A sua argúcia levava-o a pintar o seu mundo dum modo hipercrítico, mas infelizmente, verdadeiro. Também a si próprio se julgava com severidade, sabendo no fundo que estava certo nas suas posições políticas ( exemplares), na defesa da sua pátria pela qual lutou ano e meio no palco da 1ª GG, nas suas posições religiosas, que compartilho inteiramente e na sua visão do mundo, deslumbrada por vezes, céptica amiúde, desapontada e triste quase sempre.
O meu Avô viveu quase um século nos períodos mais conturbados da nossa história, a sua experiência de vida era riquíssima e não conseguia ignorar a mediocridade dos novos governantes e senhores dos destinos do país, as suas vistas curtas, a ignorância total acerca da História e da importância de Goa, como único marco da grandeza do nosso país. O seu repúdio por Salazar é constante, reduzindo a sua
corte a um grupo de oportunistas ou mentecaptos, prediz a sua "queda" e um triste fim oito anos antes disso vir a acontecer. O meu Avô faleceu em 1963.

Um livro que todos devíamos escrever, ou seja, Memórias que todos devíamos deixar aos nosso netos para que eles saibam bem donde viémos, quem nós fomos e o que sentimos perante a vida.

Um livro que me deixa com mais vontade ainda de conhecer o meu Avô, que mais me une a ele e me dá certezas quanto às minhas raízes.
Não consigo deixar de estar grata ao meu Irmão por mais este feito, que demonstra também como, na nossa família, nos sentimos orgulhosos daqueles que nos precederam.

4 comentários:

  1. Infelizmente não conheci nenhum dos meus avós mas uma prima minha, bastante mais velha que eu, licenciada em Românicas e muito ligada às "lides da escrita", em alguns dos seus livros refere-se aos nossos avós paternos, que conheceu, de uma forma que me faz ter imensa pena de os não ter conhecido . Felizmente não foi esse o teu caso e estas mensagens que tens colocado sobre o teu avô são de uma beleza e uma ternura imensas. Obrigada por esta partilha.
    Regina

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  2. Obrigada, Regina. Infelizmente os meus filhos tb não conheceram os avôs, mas tiveram avós que viveram até aos 9o e tal. Quanto mais leio sobre o me avõ, mais o amo.

    bjinho

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  3. Boa noite, Virigina! Comecei a ler os posts que ainda não tinha lido... É claro que após uma cirurgia vem sempre desconfortos, na melhor das hipóteses. Dores é que não se aguenta. Mas já percebi que se sente melhor. Ainda bem! A anatomia do joelho é uma engrenagem complexa, mas se fizer tudo direitinho vai passar. A sua avó não teve as oportunidades que nos temos nos avanços da medicina. Por isso, não pense no pior.
    Escolhi este post para responder porque o que relata sobre o seu avô continua a fascinar-me. Tenho uma colega que nasceu em Goa, mas depois, em tenra idade, foi para outro país africano e deste para Portugal. Só o ano passado é que pôde conhecer a sua terra natal. Ficou maravilhada com o que viu. Disse que há lá imensos vestígios portugueses. Foi-lhe surpreendente pela positiva.
    Mas voltando ao seu avô: No texto há uma frase que me tocou imenso, que é esta: «o meu Avô foi um Homem muito só, apesar de estar rodeado de pessoas que lhe queriam bem.»
    Sabe, às vezes não basta estar no meio de gente que nos quer bem e etc e tal...O facto de não nos identificarmos com nada ou quase nada dá muito desconforto...Interpreto desse modo...
    Não tenho vindo ao computador por estar ocupada em actividades fora de casa e consequentemente também não tenho vindo aqui a este blog.Quando venho tenho de estar sem pensar em nada para fazer, para poder absorver tudo.Tem uma forma de se expressar , contando relatos do seu dia-a-dia que dá vontade de lhe dar muita conversa... Há tantos pontos por onde pegar que nem imagina!...Veja lá o tamanho do meu comentário!
    Só lhe desejo muita saúde e boa recuperação no seu joelho.
    Beijinhos.

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  4. Eu também leio sempre o que escreve no FB e é raro não responder. Tb gosto da sua maneira de contar coisas que vê ou acontecem no seu dia dia.
    Felizmente vou melhor, embora ainda tenha dificuldade em dobrar o joelhe e ande sempre com a perna hirta que nem um carapau. Espero que isto passe...pois queria viajar outra vez, queria sair de casa sem desconforto e sentir-me mais jovem. Neste momento nem os meus netos me apetece ver, o que é um péssimo sintoma:))

    Goa é lindo e adorava lá ir. Já poderia ter ido com a minha família, mas acabei sempre por pensar em ir com o meu ex- e nunca fomos. O meu Pai tb nasceu lá, mas veio con 14 anos para Lisboa e só lá voltou 35 anos mais tarde!

    Tenha um bom fim de semana....invejo as suas actividades todas!!

    Bjinho

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