terça-feira, 28 de março de 2017

Um dia de sol



É um bálsamo para o espírito, sobretudo quando sentimos que a Vida não tem sentido.

Continuo a vivê-la e a cuidar dos meus, mas não consigo esquecer tudo o que se passou.

É uma saudade quase insuportável, que não sentia quando o meu marido estava vivo. É semelhante à que senti ano após ano quando nos namorávamos à distância. As cartas estão aí a expressar toda a coragem, ânimo e superação das dificuldades assim como as saudades que, às vezes, quase nos impediam de estudar e de aceitar a Vida como ela era.


Agora nem sequer consigo ver o futuro.

Diz-se que as pessoas ficam cá dentro de nós, que as memórias são boas  e que é preciso olhar para o futuro e agradecer estarmos vivos... uma balela.

A nossa vida só tem sentido quando os que amamos estão presentes. E perder um que seja é muito difícil.

Tenho a certeza de que já vivi muito. Tanto!

Vivi bem e vivi mal e vivi o que podia.

Há dias, porém, em que sinto que já vivi TUDO.

Hoje fui ver a Primavera com sol.

Tem estado mau tempo e frio. Mas hoje estava lindo e no Botânico não se sente frio nenhum, o vento só sopra ao de leve e faz estremecer a água dos lagos.



O sol é forte, sobretudo ao pé dos cactos , que parece irradiarem luz. Andei 1,5 km dentro do jardim, sentei-me numa pedra a contemplar e a respirar o ar puro e a cheirar o eucalipto.

Apetecia-me morrer assim...em plenitude. Não sofrer. Não fazer os outros sofrer com o meu envelhecimento.

Fechar os olhos e deixar-me ir para o espaço cósmico...ser mais uma estrela no Universo.







segunda-feira, 27 de março de 2017

Como diz o Poeta






Quem já passou
Por esta vida e não viveu
Pode ser mais, mas sabe menos do que eu
Porque a vida só se dá
Pra quem se deu
Pra quem amou, pra quem chorou
Pra quem sofreu, ai

Quem nunca curtiu uma paixão
Nunca vai ter nada, não

Não há mal pior
Do que a descrença
Mesmo o amor que não compensa
É melhor que a solidão

Abre os teus braços, meu irmão, deixa cair
Pra que somar se a gente pode dividir?
Eu francamente já não quero nem saber
De quem não vai porque tem medo de sofrer

Ai de quem não rasga o coração
Esse não vai ter perdão



Vinicius de Moraes

domingo, 26 de março de 2017

Pedaços de vida a dois


Durante anos - de 1965 a 1971 - escrevemo-nos quase todos os dias.

Desde o momento em que nos encontrámos naquele ferry de Amsterdam - o momento alto da nossa vida. Foi o começo, quando a magia , o destino ou a mão de Deus fez com que as nossas mãos se cruzassem e apoiassem uma na outra.

Discutimos longamente quem teria sido o primeiro a fazê-lo...nunca saberemos...:)

Ao ler as nossas cartas, parece-me estar a ver em flashback o filme de novo.
Impressionante.
Nunca imaginei que aos 20 anos nos fosse possível exprimir sentimentos e opiniões dum modo tão claro e puro.

Coloquei aqui retalhos de cartas do Manel, quatro entre centenas que me impressionaram. Também tenho muitas minhas igualmente marcantes, mas a seu tempo virão.






As cartas eram escritas em folhinhas de papel de sebenta ou de cadernos, nunca tínhamos dinheiro para blocos ou envelopes sofisticados, escrevíamo-nos no café, na praia, no quarto,  o bar da faculdade, onde calhasse...

O Amor É uma Companhia
O amor é uma companhia.
Já não sei andar só pelos caminhos,
Porque já não posso andar só.
Um pensamento visível faz-me andar mais depressa
E ver menos, e ao mesmo tempo gostar bem de ir vendo tudo.
Mesmo a ausência dela é uma coisa que está comigo.
E eu gosto tanto dela que não sei como a desejar.

Se a não vejo, imagino-a e sou forte como as árvores altas.
Mas se a vejo tremo, não sei o que é feito do que sinto na ausência dela.
Todo eu sou qualquer força que me abandona.
Toda a realidade olha para mim como um girassol com a cara dela no meio.

Alberto Caeiro

sábado, 25 de março de 2017

O meu desejo



O meu desejo é dar-te um beijo
   É ter desejo de te beijar.

Perdidamente como quem sente,
 Que o teu sorriso vai acabar.
Perdidamente como quem sente,
   Que o teu sorriso vai acabar.


Como quem ama do Sol a chama
Como quem reza sempre a chorar
Como quem ama do Sol a chama
Como quem reza sempre a chorar
Luis Goes




In Memoriam Coimbra 1965-68

quinta-feira, 23 de março de 2017

Faz hoje um mês

que tu partiste, e simultaneamente, me partiste o coração.

Ao ler as cartas que nos escrevemos, fica-me a certeza inabalável de que tudo valeu a pena e que, no fundo, nunca me deixaste. E por isso, é tão grande o vazio agora.

Encontrei numa das cartas de 1966 um texto que te ofereci aos 19 anos.
Escrevi-o aos 16.
Gostaste muito. Porque exprimia aquilo que para os dois sonhávamos.

Concretizámos muito desse sonho. Mas a sinfonia ficou incompleta...


A Alguém

Há muito que te escrevo, sem saber quem és, sentindo-te apenas como sombra ao longe, esbatida no contorno pálido do horizonte. Tens cabelos escuros, olhos indefinidos...tuas mãos regem os acordes duma melodia inacabada, buscando talvez o tom menor que desenhe em círculos inextinguíveis os murmúrios de um final patético.
Não te procuro...seria estragar o momento inesperado da descoberta, em que pondo os olhos nos teus, não serei mais que uma criança confiante.

Vem , vem junto a mim...como se todos os caminhos traçados para ti tivessem este fim absoluto e indispensável...vem para mim com a ternura das pétalas desfolhadas, a paz do sol dourado, a união de todas as orações do mundo que se erguem por nós dois.

E depois...quando o teu olhar beijar o meu, quando nada mais houver no mundo para além do nosso Amor...deixa que o silêncio fale! E que nesse abandono de crianças, na certeza invulnerável da nossa Fé, Deus complete em nós perfeitamente a sinfonia há muito interrompida!

sexta-feira, 17 de março de 2017

Vivendo o passado...


Passei alguns dias a ler cartas nossas.

Revivi intensamente todo o nosso percurso de 1965 a 1973, ano em que casámos. Houve hiatos pelo meio, mas nunca rupturas totais, mantivémos sempre uma ligação, mesmo que ténue.

O caminho a dois foi árduo, esgotante, deixou marcas profundas em nós, jovens,  e estas marcas reflectiram-se na nossa relação mais tarde.

Feitios diferentes, objectivos diferentes, uma paixão que era alimentada pela distância que nos separava em tempos difíceis, certezas, decepções, dúvidas, momentos de êxtase, tudo está naquelas 500 ou mais cartas que nos escrevemos durante cinco anos.

Uma coisa é certa: nunca deixámos de nos amar, nunca amámos mais ninguém com o mesmo ardor e intensidade, ainda hoje nos preocuparíamos um com o outro, se a Vida o tivesse permitido. Estávamos sempre unidos nos problemas, menos nas alegrias...


Não sei se fiz mal em ler estas cartas. Fiquei com a certeza de que se voltasse atrás, teria feito o mesmo, sobretudo  durante o namoro, em que tive muitas ocasiões para lhe dizer definitivamente adeus.
Também me fiquei a conhecer melhor e com uma ideia mais precisa da jovem que fui.

Consegui perceber algumas coisas que ainda hoje me inquietavam sobre o meu ex-marido.  A vida foi madrasta para ele em muitos aspectos - perdeu o Pai aos 18 anos - fez-se a pulso, estudando com bolsas várias, foi um dos melhores do curso, mas nunca quis, nem pôde, arriscar-se a vôos mais altos. Mesmo assim foi um dos mais novos a chegar ao Supremo Tribunal de Justiça. Sempre extremamente exigente consigo, comigo e com os filhos, incutiu-nos valores que perduram no tempo. Também moldou demasiado a minha maneira de ser e a minha espontaneidade.
Como diz o meu neto mais velho: "O Avô tinha carisma". É verdade.
Nunca tinha pensado nisso, acreditam?

Hoje enquanto passeava perto do Palácio da Justiça, local onde ele trabalhou durante 25 anos perguntei-me se valeu a pena tanto sacrifício, tanto desvelo, tanta dedicação. Nunca faltava, nem sequer no dia em que nasceu o meu filho mais novo e eu fiquei sozinha na Maternidade. Era um mouro de trabalho, os processos tinham mais peso que a família ou o lazer. Levava sempre trabalho para casa nos fins de semana e nas férias.

É bom saber isto, mas faz-me pena que ele não tenha aproveitado melhor a Vida, viajado mais, gozado mais os filhos, os netos, todos os que o amavam tanto.

quinta-feira, 16 de março de 2017

O Amor para lá do Amor



LOVE BEYOND LOVE
Love, knowing that the one you love may not be here tomorrow,
knowing that today may be your last day to truly meet,
knowing that you cannot know how the story ends.
For what is left in this life if you have nothing to lose?

Care, care deeply, care until it hurts, care in spite of what people say,
in spite of ridicule and rejection and being misunderstood,
care so much that you no longer care what happens to you.
Sink, sink willingly, into this bitter-sweet mystery of love,

never knowing what love is and loving anyway,
like a fool, like a fascinated child, like a madman,
like one who has forgotten how to be cynical, or how to be right.

Love until your voice trembles, and your heart pounds, and your legs shake,
and your philosophies crumble to dust, and your cleverness bows its head in shame and in reverence.

And you will be taken to the darkest places,
and your heart will be set on fire by the ones to whom you were never able to open your heart,
and you will be reminded of what you have always, secretly, known:
That in time, you will forget everything, except how to die, and how to love.
 LIFE WITHOUT A CENTRE 
Jeff Foster

terça-feira, 14 de março de 2017

Pour toute l'Eternité













Que tu sois ici ou ailleurs 

Plus prés de toi je serais 
Pour le pire ou le meilleur 
Dans mon cœur je t'emporterais.

Nulle part ailleurs qu'ici 
Se plaît à demeurer mon cœur 
La vie est une poésie 
Toi et moi sommes les acteurs.

Vers un monde nouveau 
À l'aube d'un nouveau jour 
Où le ciel est toujours beau 
Dans notre cœur pour toujours.

Le temps nous appartient 
Peu importe si l'horizon 
Se veut d'être incertain 
Toi et moi à l'unisson.

Ensemble nous bâtirons 
Dans notre cœur notre ciel 
Et de notre amour nous scellerons 
Le pacte d'une vie éternelle.

Vivre nos rêves et rester 
Confiants en les sentiments 
Jamais nul ne peut briser 
Les liens qui lient deux amants.


Christine Valmorre.

segunda-feira, 13 de março de 2017

Diálogo metafísico



Não acredito na vida após a morte. Já há muito.



Quando conheci o meu namorado há 51 anos, discutíamos por carta toda as questões metafísicas que nos preocupavam. Ele era o oposto de mim, embora durante um longo período tenha praticado como eu.

Depois perdemos ambos a Fé - já nem sei quando -  e não casámos pela Igreja para desgosto do meu Pai. que nem queria que fizéssemos copo d'água.

Baptizámos os filhos e eles tiveram o ensino tradicional de catequese. Hoje só um deles pratica.

Admiro aqueles que "sabem" já que vão encontrar os seus entes queridos falecidos num Paraíso qualquer.  Deviam ficar felizes por morrer... :)

Infelizmente, eu não consigo "ver" ninguém da minha família, a não ser nas fotografias que tenho em casa ou na minha mente. Penso muito em todas as pessoas que me morreram, penso nelas quase quotidianamente, estão presentes no que faço, no que digo, no que decido fazer.

Vivo com o passado muito mais do que com o presente ou o futuro.

Neste momento nem ouso pensar no futuro, depois de o meu marido e melhor Amigo me ter morrido assim em sete meses.

Só acredito no dia a dia, vivo para o dia a dia, procuro ser digna dos valores que ambos incutimos nos nossos filhos e não defraudar ninguém. Mas perdi o meu gosto pela vida e não sei se conseguirei recuperá-lo. Aliás já aos 19 anos eu escrevia ao meu namorado que o meu prazer de viver provinha de o ter encontrado e de o amar infinitamente. Pode parecer dramatismo, mas é a pura verdade.

No meio disto tudo sinto a presença dele em mim, sinto-a mais palpavelmente do que quando ele vivia aqui a dois passos e não nos víamos quase.
Sinto-o tão vivo que às vezes me parece que estou a falar com ele.

Isto já me acontecia quando nos namorávamos à distância e não havia telefones baratos, nem skypes, nem mails, nem nada de nada. Por vezes ficávamos mais de dois meses sem nos vermos...mas escrevíamo-nos todos os dias non-stop.






 Tenho lido as cartas dele todas as noites e deito-me pelas 3 como se tivéssemos estado juntos aqui na minha sala,.
Ontem li umas dez cartas minhas e outras tantas dele escritas 1966, logo após o nosso primeiro encontro.  São um bálsamo para a minha psique, é melhor do que ir ao psicólogo ou falar com os filhos. Choro copiosamente, mas alivio a tensão. Faço-o conscientemente, não estou a entrar em depressão, encaro isto como uma catarse, preciso mesmo de conforto num passado que foi ainda mais belo do que eu imaginava.


Queria ter coragem de copiar algumas passagens para uma pen e guardar, pois há nelas pedacinhos de ouro.
Os netos deviam ler estas coisas mais tarde para saber donde vêm, quais os valores por que se regiam os seus avós e conhecer a riqueza espiritual que os unia.



Sinto-me mais leve depois dum passeio de uma hora no Botãnico...está sol... e viver é preciso.
Não acredito na vida no Alem, mas aprecio a Beleza do Aquém.

domingo, 12 de março de 2017

Le temps des amours morts



Já há dias que não escrevo.
Sinto tantas coisas cá dentro que não sei o que dizer.
Já há muito que não sofria tanto, sem saber muito bem o que me dói mais.

Releio cartas de 1966, tinha eu acabado de conhecer o amor da minha vida, éramos os dois jovens, estudantes, crentes num futuro a dois que acabou por se realizar contra tudo e contra todos.

A distância, a família, os estudos, as personalidades, os gostos, eram por vezes obstáculos, mas o nosso Amor queria, exigia,  crescia e fez com que ultrapassássemos todas as barreiras, uma a uma.

Quando leio estas cartas tão impregnadas de sonho e de confiança em nós, sorrio. Nós acreditávamos, nós apoiávamo-nos, nós dialogávamos, nós discutíamos temas quase transcendentes, nós esperávamos, nós rezávamos um pelo outro e pelos dois, certos de que o futuro estava ali ao virar a esquina.

Foi um percurso longo espelhado em todos os riscos e rabiscos das nossas cartas. Escrevíamo-nos todos os dias - 365 dias num ano - e algumas cartas tinham mais de 6 páginas.

Repetíamos sem cessar que o essencial era pensarmos em nós e vivermos a nossa vida com o objectivo comum de um dia podermos  ter um futuro a dois.

Éramos idealistas, tínhamos de o ser. O tipo de relação que tivémos durante oito anos não duraria mais que uma semana nos nosso dias...

Não nos reconheço totalmente nestas cartas. Não consigo ver-nos totalmente nestas fotografias de então. Lembro-me de nós, mas parece que estou a ver um filme de há muitos anos.

Nestes sete meses longos e desesperantes da doença a minar qualquer tentativa de esperança, reencontrámo-nos na dor. Voltámos a ser dois idealistas e recusávamos a ideia dum fim.

Os filhos não compreendem bem o que se passou, ou antes, não me desejam assim, querem-me disponível, feliz e cheia de projectos de futuro. Querem-me de novo sozinha, independente e sorridente, o que é impossível.

Os netos são mais solidários e respeitam o meu desgosto e até as minhas lágrimas por vezes.

Não consigo pensar no futuro agora, vivo o presente a custo. Todos os dias acordo em lágrimas.

Para ti
Um dos teus poemas preferidos.
Deste-me o livro "Toi et Moi" de Paul Geraldy um mês depois de nos termos conhecido.
Tenho-o agora no meu Kindle e releio-o com saudades.
Contei-to no hospital e e tu comentaste: Está lá tudo.  É a história do nosso Amor.





Abat-jour 

Tu demandes pourquoi je reste sans rien dire ?
C'est que voici le grand moment,
l'heure des yeux et du sourire,
le soir, et que ce soir je t'aime infiniment !
Serre-moi contre toi. J'ai besoin de caresses.
Si tu savais tout ce qui monte en moi, ce soir,
d'ambition, d'orgueil, de désir, de tendresse, et de bonté !...
Mais non, tu ne peux pas savoir !...
Baisse un peu l'abat-jour, veux-tu ? Nous serons mieux.
C'est dans l'ombre que les coeurs causent,
et l'on voit beaucoup mieux les yeux
quand on voit un peu moins les choses.
Ce soir je t'aime trop pour te parler d'amour.
Serre-moi contre ta poitrine!
Je voudrais que ce soit mon tour d'être celui que l'on cāline...
Baisse encore un peu l'abat-jour.
Lą. Ne parlons plus. Soyons sages.
Et ne bougeons pas. C'est si bon
tes mains tiédes sur mon visage!...
Mais qu'est-ce encor ? Que nous veut-on ?
Ah! c'est le café qu'on apporte !
Eh bien, posez lą, voyons !
Faites vite!... Et fermez la porte !
Qu'est-ce que je te disais donc ?
Nous prenons ce café... maintenant ? Tu préféres ?
C'est vrai : toi, tu l'aimes trés chaud.
Veux-tu que je te serve? Attends! Laisse-moi faire.
Il est fort, aujourd'hui. Du sucre? Un seul morceau?
C'est assez? Veux-tu que je goūte?
Lą! Voici votre tasse, amour...
Mais qu'il fait sombre. On n'y voit goutte.
Léve donc un peu l'abat-jour.

(Toi et moi, 1912)

terça-feira, 7 de março de 2017

Love letters in the sand



Estive duas horas a fio a ver em que maldita caixa de papelão - há pelo menos 30 - estariam as minhas cartas e as do meu marido, na altura namorado e amigo - trazidas ano passado do sótão da minha sogra, onde estiveram sepultadas durante mais de 40 anos. 

Consegui finalmente desencantá-las todas no meio de muitas outras cartas que nada me dizem.
 As minhas para ele estão impecáveis ainda dentro de envelopes, quase todos azuis. Comprava sempre estes envelopes que já eram conhecidos na Casa de Coimbra onde ele vivia. São mais de 200. 

As dele estão todas alinhadas e agrafadas sem envelopes, como eu as conservava antes de vir para o Porto. Felizmente não as deitou fora num ataque de desespero...

Viajei sempre com elas no meu plériplo pela província. O meu marido guardou-as todas numa caixa de sapatos no sótão da Mãe ( que as deve ter lido com certeza, se bem a conheci) :).
Pedaços de juventude - dos 19 aos 27 anos - testemunho vivo de que NUNCA deixámos de comunicar, mesmo quando démos um tempo ( como agora se diz) ao outro. O Amor perdurou à distância...
Vou lê-las todas à lareira, hoje e amanhã e depois.

Vou chorar e vou rir e tenho a certeza de que me vou sentir grata.
Quanto mais não seja por perceber ainda a letra dos dois escrita a esferográfica :)

segunda-feira, 6 de março de 2017

Chove


Chove. Há Silêncio

Chove. Há silêncio, porque a mesma chuva 
Não faz ruído senão com sossego. 
Chove. O céu dorme. Quando a alma é viúva 
Do que não sabe, o sentimento é cego. 
Chove. Meu ser (quem sou) renego... 

Tão calma é a chuva que se solta no ar 
(Nem parece de nuvens) que parece 
Que não é chuva, mas um sussurrar 
Que de si mesmo, ao sussurrar, se esquece. 
Chove. Nada apetece... 

Não paira vento, não há céu que eu sinta. 
Chove longínqua e indistintamente, 
Como uma coisa certa que nos minta, 
Como um grande desejo que nos mente. 
Chove. Nada em mim sente... 

Fernando Pessoa, in "Cancioneiro" 

domingo, 5 de março de 2017

Let's start over again...




                                                       





LET'S START OVER AGAIN

WHY CAN'T WE START IT OVER AGAIN?

JUST LET US START IT OVER AGAIN

AND WE'LL BE GOOD

THIS TIME WE'LL GET IT, GET IT RIGHT

IT'S OUR LAST CHANCE TO FORGIVE OURSELVES




     I WISH WE COULD...

sábado, 4 de março de 2017

À procura de Paz


                                              Quando se perde alguém, quer-se estar só.

Um passeio a pé num local lindo como a minha rua e jardins anexos fez-me reencontrar o equilíbrio emocional que me tem faltado nestes dias. Hoje estou bem mais calma e, embora continue focada nos acontecimentos que viraram a minha vida ao contrário, consigo pensar no futuro e ajudar os meus filhos e netos,  que também precisam duma Mãe e Avó feliz.


Hoje resolvi sair pelas 4 pois ainda estava sol. Não foi por muito tempo, as nuvens começaram a avolumar-se e o frio a instalar-se. Por pouco, já não conseguia tirar as fotos que aqui vêem e que vos dão uma amostra da beleza que é este jardim da Casa Allen, vulgo Casa das Artes.



Num livro belíssimo que comprei na Feira do livro ano passado, " Um Porto de Árvores", tinha visto  fotografias de árvores emblemáticas da Invicta, entre as quais algumas que fotografei hoje e já tinha fotografado no outono.


Parecia que tinha chovido rosa e branco no jardim inteiro.



Dum lado eram as magnólias maravilhosas, com as suas corolas tesas,  camélias de todas as cores já um pouco murchas, que atapetavam o chão e no outro, mesmo ao fundo do jardim, junto às colunas onde brincam crianças, uma cerejeira espectacular erguia-se imperial, como uma noiva que se prepara para subir a nave central.




Poucos jardins do Porto conseguem concentrar num espaço relativamente pequeno tanta beleza e harmonia.

A Casa Allen espelhava-se no lago em frente e com ela, a maior magnólia rosa daqui das redondezas. A água agitava-se e a imagem distorcia num bailado abstracto rosa e amarelo desbotado.



Ao fim da tarde,  admirei os contra-luzes sob um céu carregado, os troncos das árvores despidas mas arrendadas, uma cerimónia de silhuetas enigmáticas.



Hoje levei a minha Lumix e valeu a pena. Já tinha saudades de tirar fotos a sério :).

O inverno, já a entrar na Primavera, é duma beleza indescritível. A minha alma atormentada apaziguou-se um pouco.



sexta-feira, 3 de março de 2017

O luto é uma terra estranha




Cada pessoa vive o luto ao seu jeito, com o seu modo de estar na vida.
Todas, porém,  se sentem a navegar num mar revolto, com períodos de calmaria pelo meio e, quiçá, vislumbrando o sol poente no horizonte.

É difícil não chorar ao pensar na irreversibilidade dos acontecimentos, no tempo que perdemos com ninharias em vez de dar real valor ao que tínhamos. É difícil não sentir remorsos por não termos feito tudo o que podíamos para transmitir Amor,  Paz e Felicidade àqueles que amámos e perdemos assim...



O meu marido morreu sem mim. Eu ia para o hospital quando me deram a notícia. Fui ao cabeleireiro pois ele não gostava de me ver com cabelos brancos e dizia com um sorriso: Tens de ir ao "barbeiro". Nunca o ouvi usar outro termo e já sabia que era ironia. Se eu tivesse ido ao hospital logo de manhã, ainda teria visto os seus olhos a fecharem-se, mas a quererem estar atentos a tudo.

O meu Filho presenciou a sua despedida com o olhar, mas ficou muito impressionado porque ele parecia que compreendia, mas não conseguia articular nenhuma palavra. Esta imagem perdurará para sempre na sua memória.

As últimas palavras que me disse quando o fui visitar na 5ª feira:  Hoje, estou feliz, tenho aqui duas "coisas" de que gosto: Tu e este vinho. 

A médica já o deixava beber vinho, não havia cura possível e isso dava-lhe algum prazer , já que não queria comer nada. Definhava a olhos vistos e não podíamos reverter a maldita doença, nem impedir que o corpo cedesse aos tratamentos fatais.

Não pensei que ele se fosse assim,  tão diferente do que fora ainda um ano atrás. Tenho fotografias do Natal de 2015, em que estivémos todos juntos e tirámos uma selfie com os bonecos de papel que os meus netos tinham feito de cada um de nós. Ainda ontem encontrei esse boneco guardado no escritório dele.

O meu neto Daniel ofereceu-lhe neste Natal uma prenda linda feita por ele.
Resolvi colocá-la aqui para memória futura.

Ponho aqui também a canção de luto que mais me comove: Tears in Heaven, Eric Clapton.






quarta-feira, 1 de março de 2017

Para ti, que nunca leste este blogue




Para ti, meu Amor, que te foste antes da Primavera chegar.

Ontem encontrei uma carta tua para mim na nossa casa.  Foi escrita em 1996.

Terminavas assim:

PS.  Aquilo que já sabes desde 20.08.65.

Era assim que tu dizias que me amavas. Sempre foste um enigma.