Já há dias que não escrevo.
Sinto tantas coisas cá dentro que não sei o que dizer.
Já há muito que não sofria tanto, sem saber muito bem o que me dói mais.
Releio cartas de 1966, tinha eu acabado de conhecer o amor da minha vida, éramos os dois jovens, estudantes, crentes num futuro a dois que acabou por se realizar contra tudo e contra todos.
A distância, a família, os estudos, as personalidades, os gostos, eram por vezes obstáculos, mas o nosso Amor queria, exigia, crescia e fez com que ultrapassássemos todas as barreiras, uma a uma.
Quando leio estas cartas tão impregnadas de sonho e de confiança em nós, sorrio. Nós acreditávamos, nós apoiávamo-nos, nós dialogávamos, nós discutíamos temas quase transcendentes, nós esperávamos, nós rezávamos um pelo outro e pelos dois, certos de que o futuro estava ali ao virar a esquina.
Foi um percurso longo espelhado em todos os riscos e rabiscos das nossas cartas. Escrevíamo-nos todos os dias - 365 dias num ano - e algumas cartas tinham mais de 6 páginas.
Repetíamos sem cessar que o essencial era pensarmos em nós e vivermos a nossa vida com o objectivo comum de um dia podermos ter um futuro a dois.
Éramos idealistas, tínhamos de o ser. O tipo de relação que tivémos durante oito anos não duraria mais que uma semana nos nosso dias...
Não nos reconheço totalmente nestas cartas. Não consigo ver-nos totalmente nestas fotografias de então. Lembro-me de nós, mas parece que estou a ver um filme de há muitos anos.
Nestes sete meses longos e desesperantes da doença a minar qualquer tentativa de esperança, reencontrámo-nos na dor. Voltámos a ser dois idealistas e recusávamos a ideia dum fim.
Os filhos não compreendem bem o que se passou, ou antes, não me desejam assim, querem-me disponível, feliz e cheia de projectos de futuro. Querem-me de novo sozinha, independente e sorridente, o que é impossível.
Os netos são mais solidários e respeitam o meu desgosto e até as minhas lágrimas por vezes.
Não consigo pensar no futuro agora, vivo o presente a custo. Todos os dias acordo em lágrimas.
Para ti
Um dos teus poemas preferidos.
Deste-me o livro "
Toi et Moi" de Paul Geraldy um mês depois de nos termos conhecido.
Tenho-o agora no meu Kindle e releio-o com saudades.
Contei-to no hospital e e tu comentaste:
Está lá tudo. É a história do nosso Amor.
Abat-jour
Tu demandes pourquoi je reste sans rien dire ?
C'est que voici le grand moment,
l'heure des yeux et du sourire,
le soir, et que ce soir je t'aime infiniment !
Serre-moi contre toi. J'ai besoin de caresses.
Si tu savais tout ce qui monte en moi, ce soir,
d'ambition, d'orgueil, de désir, de tendresse, et de bonté !...
Mais non, tu ne peux pas savoir !...
Baisse un peu l'abat-jour, veux-tu ? Nous serons mieux.
C'est dans l'ombre que les coeurs causent,
et l'on voit beaucoup mieux les yeux
quand on voit un peu moins les choses.
Ce soir je t'aime trop pour te parler d'amour.
Serre-moi contre ta poitrine!
Je voudrais que ce soit mon tour d'être celui que l'on cāline...
Baisse encore un peu l'abat-jour.
Lą. Ne parlons plus. Soyons sages.
Et ne bougeons pas. C'est si bon
tes mains tiédes sur mon visage!...
Mais qu'est-ce encor ? Que nous veut-on ?
Ah! c'est le café qu'on apporte !
Eh bien, posez lą, voyons !
Faites vite!... Et fermez la porte !
Qu'est-ce que je te disais donc ?
Nous prenons ce café... maintenant ? Tu préféres ?
C'est vrai : toi, tu l'aimes trés chaud.
Veux-tu que je te serve? Attends! Laisse-moi faire.
Il est fort, aujourd'hui. Du sucre? Un seul morceau?
C'est assez? Veux-tu que je goūte?
Lą! Voici votre tasse, amour...
Mais qu'il fait sombre. On n'y voit goutte.
Léve donc un peu l'abat-jour.
(Toi et moi, 1912)