sexta-feira, 3 de março de 2017

O luto é uma terra estranha




Cada pessoa vive o luto ao seu jeito, com o seu modo de estar na vida.
Todas, porém,  se sentem a navegar num mar revolto, com períodos de calmaria pelo meio e, quiçá, vislumbrando o sol poente no horizonte.

É difícil não chorar ao pensar na irreversibilidade dos acontecimentos, no tempo que perdemos com ninharias em vez de dar real valor ao que tínhamos. É difícil não sentir remorsos por não termos feito tudo o que podíamos para transmitir Amor,  Paz e Felicidade àqueles que amámos e perdemos assim...



O meu marido morreu sem mim. Eu ia para o hospital quando me deram a notícia. Fui ao cabeleireiro pois ele não gostava de me ver com cabelos brancos e dizia com um sorriso: Tens de ir ao "barbeiro". Nunca o ouvi usar outro termo e já sabia que era ironia. Se eu tivesse ido ao hospital logo de manhã, ainda teria visto os seus olhos a fecharem-se, mas a quererem estar atentos a tudo.

O meu Filho presenciou a sua despedida com o olhar, mas ficou muito impressionado porque ele parecia que compreendia, mas não conseguia articular nenhuma palavra. Esta imagem perdurará para sempre na sua memória.

As últimas palavras que me disse quando o fui visitar na 5ª feira:  Hoje, estou feliz, tenho aqui duas "coisas" de que gosto: Tu e este vinho. 

A médica já o deixava beber vinho, não havia cura possível e isso dava-lhe algum prazer , já que não queria comer nada. Definhava a olhos vistos e não podíamos reverter a maldita doença, nem impedir que o corpo cedesse aos tratamentos fatais.

Não pensei que ele se fosse assim,  tão diferente do que fora ainda um ano atrás. Tenho fotografias do Natal de 2015, em que estivémos todos juntos e tirámos uma selfie com os bonecos de papel que os meus netos tinham feito de cada um de nós. Ainda ontem encontrei esse boneco guardado no escritório dele.

O meu neto Daniel ofereceu-lhe neste Natal uma prenda linda feita por ele.
Resolvi colocá-la aqui para memória futura.

Ponho aqui também a canção de luto que mais me comove: Tears in Heaven, Eric Clapton.






6 comentários:

  1. Quem dera que a Morte não fosse tão angustiante e encarada como naturalidade , mas é difícil para quem não tem certezas se isto é mesmo o fim de tudo. Nessas horas gostava de ser uma pessoa de fé...Em Janeiro último, faleceu o sogro de uma das minhas filhas, depois de uma doença de demência , daquelas terríveis . Tinha apenas 64 anos. Por isso pensei que a morte pode também ser libertadora , mas custa muito quando há estima pelas pessoas . Como estive presente em tudo fiquei a bater mal umas semanas...
    Pelo que percebi fez tudo o que pôde na doença do seu marido . Não se atormente a pensar que não esteve junto no seu último minuto de vida .
    A foto com todos aqueles dizeres é uma obra d´arte ! Beijo, querida Virgínia .

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  2. Também penso o mesmo.
    Nestes rituais como são as Missas de 7º Dia, que hoje será celebrada as 18 h, sinto-me estranha, mas solidária com os meus filhos e netos que são crentes. Gosto de estar na Igreja, é um lugar de respeito e calmo, onde não há ruído e podemos sofrer em silêncio.
    Tenho recebido testemunhos fantásticos de pessoas que nem sequer o conheciam e também de pessoas minhas amigas que me dizem estar desoladas. É um conforto grande.
    Sei que isto vai passar. Ainda tenho muito para viver, mas estes meses tiraram-me "anos" de vida...
    Um beijinho grato

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  3. Tenho a certeza que, ciente do que padecia, o Manel pensava que dpois de partir 'the show must go on'...
    Beijo grande
    Filipe

    https://www.youtube.com/watch?v=t99KH0TR-J4

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    1. Obrigada, Mano. Sinto-me um pouco órfã, sem saber a quem pedir conselhos, a quem falar sobre os filhos e netos...
      Depois dos Pais o Manel foi quem mais me moldou e tornou aquilo que sou. Com algum sofrimento e drama à mistura. Mas hoje sinto que criámos filhos bons e isso é o suficiente para me fazer feliz.
      Bjo

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  4. Creio que nunca se fazem lutos, quando quem parte é alguém especial em termos de afectos.
    O luto vive dentro de nós e varia de expressão e intensidade um pouco como o vento.
    Não impede que a vida continue mas a ausência torna-se real. E a noção. - sempre! - que ficou tanta e tanta coisa por dizer e por viver.
    A morte é revoltante e uma indecência.

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  5. Não há luto que nos console.
    O tempo apagará as lágrimas que teimam em correr ao menor sussurro de recordação-
    Vês a perda com realismo, é difícil para mim racionalizar ainda.
    Estou muito vulnerável neste momento . Obrigada , Mano.

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