Eu
acredito que um simples
"I miss you"
ou seja lá
como possamos traduzir saudade em outra língua,
nunca terá a mesma força e significado da nossa palavrinha.
Talvez não exprima corretamente
a imensa falta
que sentimos de coisas
ou pessoas queridas.
E é por isso que eu tenho mais saudades...
Porque encontrei uma palavra
para usar todas as vezes
em que sinto este aperto no peito,
meio nostálgico, meio gostoso,
mas que funciona melhor
do que um sinal vital
quando se quer falar de vida
e de sentimentos.
Ela é a prova inequívoca
de que somos sensíveis!
De que amamos muito
o que tivemos
e lamentamos as coisas boas
que perdemos ao longo da nossa existência...
Quando era jovem ajudava o meu Pai a montar filmes que ele fazia das suas viagens. Passava horas com uma maquineta a cortar partes que tinham ficado menos boas e a colar de novo de modo a produzir um grande filme que o meu Pai mostrava orgulhosamente aos amigos na sala, onde montava um ecran grande. Até tínhamos um filme da nossa infância a que nós chamávamos o : "Nós em pequenas" e que os meus filhos chegaram a ver. Depois desapareceu, assim como a máquina, na voragem das partilhas.
Esta semana montei o "filme da minha vida"... ou o puzzle da minha existência, como queiram.
Agora escrevo ao som do Concerto nº1 de Brahms, uma das peças mais plangentes e apaixonantes que conheço e estou a ouvir no Mezzo.
Fez no dia 25 seis meses que perdi o Amor da minha vida.
Praticamente sozinha no Porto nesta semana, acabei de reler e arrumar todas as cartas que o M. e eu escrevemos um ao outro desde 65 até 71. As caixas são lindas e de cores alegres, como muitos dos momentos que partilhámos juntos. Juntei postais, recordações, fotos e souvenirs, poemas, etc.
Não fiquei arrependida de ter feito tudo isto com o coração e com a cabeça, racionalizando todas as nossas palavras, interpretando-as à luz dos eventos que se iam sucedendo nas nossas vidas, cada vez mais separadas. Chorei copiosamente, ri-me com gosto, mas sobretudo senti que valeu a pena.
Durante o nosso namoro, que começou aos 19 anos, tínhamos vidas, não "uma vida" em comum.
Em comum, tínhamos paixão, sonho, desejo, atracção, química, ternura, anseios, generosidade e também, alguma frustração ou desilusão.
O que tínhamos em comum era infinitamente mais positivo do que o que nos separava. Infelizmente não bastava. E quando se diz que não casamos com uma pessoa , mas com a sua família, isso é bem verdade. Muito do que nos separava provinha do exterior, dos condicionalismos impostos pela família do M., pela distância e pela falta de posses de ambos.
foto tirada em 1995 na Tunísia, onde fomos muito felizes
Cada um dos períodos do nosso namoro se define bem como a temperatura num termómetro, com mais ou menos calor, com mais ou menos coração, com mais ou menos realismo, com mais ou menos desespero. Tudo foi analisado por nós até ao mais ínfimo pormenor. Cada um de nós escrevia sobre os nossos encontros, auto-hetero-criticando-se. Nem sempre concordávamos com a análise feita. Mas tentávamos melhorar. Também discutíamos as nossas posições religiosas e nunca deixámos de nos preocupar com o sucesso do outro. A expressão "reza por mim" é quase tão comum como o "Amo-te" ou o "Wait for me".
Hoje pergunto-me o que teria acontecido se tivéssemos cortado de vez nos momentos em que o desejámos sem o conseguir. E o que teria acontecido se não nos tivéssemos reencontrado em 1973 após dois anos de travessia do deserto no que se relaciona à nossa relação?
O mais caricato foi termos estado quase um ano na mesma cidade - Lisboa - sem eu saber que o M. lá estava. Vivíamos a dois passos, mas ele não me procurou. Sempre soube que eu fizera a tese e o estágio e era professora ali, mas não queria prender-me sem acabar a tropa e definir o seu futuro na magistratura. Foi o acaso que nos fez reencontrar... :)
A minha vida dava um filme....se dava. Maior do que os do meu Pai.
Lidas todas estas cartas, o filme da nossa vida desenrola-se perfeitamente claro e transparente. No entanto, muitas vezes me interrogo sobre mim própria e as minhas decisões. Também me arrependo de muitas atitudes que tomei. Duma maneira geral, porém, sinto que fui uma Mulher em momentos cruciais, vivi plenamente e realizei quase tudo o que quis. Excepto o Amor, que ficou inacabado. Naquele quarto de hospital, branco, gelado e impessoal, terminou.
Fotografei 180 páginas inteiras de cartas que guardei aqui no Picasa. É comovente lê-las de vez em quando. Mas não consigo branquear tudo o que se passou depois nos 30 anos em que vivemos juntos. Se nos amávamos - e não duvido disso nem por um segundo -, também permitimos que a erosão lapidasse os alicerces daquele que tinha sido um grande Amor. Por isso, tenho escrito um diário que já tem 170 páginas com considerações sobre o que vivi e o que hoje vivo e sinto.
Foi nisto tudo que pensei hoje na Foz onde andei durante 4 horas - cerca de 3km - olhando o mar, observando as pessoas felizes que aproveitavam a tarde sem vento e cheia de sol, que convidava a banhos.
A Foz é uma mistura espectacular de pessoas, sem distinção de meio social, cor, raça ou posses.
A Foz é uma toalha na areia e um fato de banho, um bikini, um telemóvel, uma garrafa de água.
Todos têm o mesmo.
E todos ambicionam o mesmo: sol e mar.
Bendita cidade que tem um espaço destes ao virar da esquina.
Enquanto lá estive ouvi uma hora de canções francesas, entre as quais esta do Adamo, que ouvíamos muito na nossa juventude.
A letra tem tudo a ver com a minha vida.
C'EST MA VIE Notre histoire a commencé Par quelques mots d'amour C'est fou ce qu'on s'aimait Et c'est vrai tu m'as donné Les plus beaux de mes jours Mais je te les rendais
Je t'ai confié sans pudeur Les secrets de mon cœur De chanson en chanson Et mes rêves et mes je t'aime Le meilleur de moi-même Jusqu'au moindre frisson
Ma candeur et mes vingt ans Avaient su t'émouvoir Je te couvrais de fleurs Mais quant à mon firmament J'ai vu des nuages noirs J'ai senti ta froideur
Mes rires et mes larmes La pluie et le soleil C'est toi qui les régis Je suis sous ton charme Souvent tu m'émerveilles Mais parfois tu m'oublies
C'est ma vie, c'est ma vie Je n'y peux rien C'est elle qui m'a choisi C'est ma vie C'est pas l'enfer, C'est pas l'paradis
J'ai choisi des chaînes Mes amours, mes amis Savent que tu me tiens Devant toi, sur scène Je trouve ma patrie Dans tes bras, je suis bien
Le droit d'être triste Quand parfois j'ai cœur gros Je te l'ai sacrifié Et devant toi j'existe Je gagne le gros lot Je me sens sublimé
Substituamos os adjectivos masculinos pelo femininos e "chanson" por "lettres"....eis a minha VIDA.
Todos dizemos mal dos programas de TV. A torto e a direito. Eu também. Já há muito que não oiço um telejornal, um programa politico, uma conversa entre cabeças pensantes, um debate, uma novela ou série. Não vejo mesmo nada. A maior parte das vezes tenho a TV no zero.
Mas, lembro-me que ela existe de vez em quando e abro-a sempre nos canais que transmitem música.
Volta e meia dou comigo a recordar hits dos anos 80 - que saudades dos meus filhos adolescentes! - ou peças clássicas tão pesadas como óperas de Wagner.
Tudo me serve desde que contribua para a minha paz de espírito e prazer espiritual.
Ouvir música é para mim tão necessário como respirar. Só páro quando o silêncio é mais rico ou os ruídos de fora me trazem algum conforto, o mar, por exemplo.
Mesmo quando passeio pelas áleas do Botãnico, para evitar o barulho da VCI, levo auriculares e oiço o Spotify. Tenho playlists de Schubert, Bach, Chopin, Aznavour, Adamo, Weyne Blood, Leonard Cohen, etc.
A música aliada à beleza das plantas naquele jardim é melhor que qualquer psicoterapia paga a peso de ouro.
Se me entristece por vezes, pois a ela se aliam muitas recordações, também me eleva. E mesmo quando choro ao ouvir certas canções, esse chorar alivia.
Esta tarde, depois de ter ido ao cinema ver um filme belo : Uma História de Amor, com um dos meus actores de clássicos preferidos, Derek Jacobi, de I Claudius, já estive a ouvir mais de 3 horas de música da TV.
Ouvi Shostakovitch, Gluck e Tschaikowski e agora deleito-me com o meu concerto favorito de Brahms, o nº2, brilhantemente tocado por Elizabeth Leonskaya e regido por Tugan Sokhiev. Uma verdadeira prenda de fim de semana.
Nem tudo é mau...vale a pena procurar...e subitamente tem-se uma sala de concertos bem perto de nós.
Se podia metia-me num carro com os meus pais, irmãos, amigos e ia até à Linha, às vezes até ao Guincho que foi sempre para mim a praia mais linda daquela zona. O ar era selvagem, as dunas cobriam grande parte do areal, em miúdas jogávamos às escondidinhas por ali ou à apanhada, o que era mais difícil pois os pés enterravam-se na areia. Cascais ficava a 25 km de distância, mas o passeio valia a pena. Também havia o comboio que ia rente ao mar.
Sempre fui apaixonada do mar e nem sei como vivi 5 anos da minha vida - de 75 a 79 - em locais afastados 200km da costa. Mesmo assim, sempre que vinha ao Porto íamos até à Boa Nova em passeio.
Depois de vir para o Porto fiquei anos sem ir ver o mar aos fins de semana, o meu marido tinha muitos processos, eu tinha pontos para corrigir ou manuais para elaborar. Os meus filhos brincavam ali na rua ou na Boavista, pouco saíamos em família, o que matou muito o espírito e a união entre o pai e os filhos. Habituaram-se a vê-lo sempre com trabalho ou a ir visitar a Mãe aos domingos. Os miúdos também passavam tardes a ver TV em vez de apanhar ar.
Nas férias desforrava-me indo para a Praia da Luz quase todos os anos para grande alegria dos miudos, que lá encontravam primos e amigos de longa data. Eram dias felizes para eles e para mim, que desde 1966 passava férias nesse local e conhecia tudo.
O meu marido não gostava do Algarve. Já quando nos namorávamos, dizia que esse iria ser pomo de discórdia entre nós, pois estava habituado a ir para as termas com os pais e não aguentava o mar. Dizia que eu tinha uma energia inesgotável e que ele ficava derreado. Verdade seja que durante os anos de Coimbra, ele depauperou muitíssimo e a sua saúde era muito frágil. Estava magríssimo quando acabou o curso e recusava-se a ir para a praia, o que aliás não foi problema até casarmos em 1973. Passámos sempre as férias separados, como acontecia durante o ano, e escrevíamo-nos cartas longuíssimas, relatando o nosso dia a dia tão contrastante( Por vezes ele dizia que eu nem me lembrava dele na Luz, o que era completamente errado, pois lá tinha mesmo saudades dele!
De 1975 até 1993 fomos indo quase todos os anos, os miúdos eram pequenos e lá não pagávamos nada pois a casa era da família. A viagem era maçadora e longa, passávamos por Lisboa para ver a minha Mãe e seguíamos no dia seguinte, perdiam-se 4 dias na viagem. Lá estávamos bem, mesmo sem empregada e comigo a ter de fazer tudo. Sacrificava-me para eles estarem felizes, eu também gozava do ar de mar e da beleza que aquelas férias proporcionavam. O meu marido, porém, sentia-se sempre frustrado, não tinha a Mãe ao pé e não havia telefone, ao fim duns dias já tinha lido todos os livros das estantes - ainda lá há alguns sublinhados por ele - e as estradas eram más, de modo que nem passeávamos de carro. Começou a haver atritos.
Em 1993, decidimos passar férias separadas, ele ia para as termas com a Mãe e eu para o Algarve com os filhos. Penso que naqueles anos experimentámos todos os meios de transportes possíveis - até o avião que ficava caríssimo - mas nenhum era confortável e ainda tínhamos de apanhar taxis para a Luz. Eu fazia aquilo tudo por eles, tenho fotos de nós todos sentados no chão da estação de Tunes à espera do comboio para Lagos. As vezes íamos de camioneta do Porto toda a noite, mas esta levava 11 horas!! Em Valparaíso esperava-se uma hora às 8.30 da manhã e depois levávamos 2 horas até Lagos. Uma verdadeira aventura. Mas eu sentia-me jovem e feliz.
Uma vez, a minha filha e eu fomos de comboio à noite e enganámo-nos na estação de saída. Ficámos no meio do Alentejo às 6 da manhã sem transporte, nem telefones. Um horror!
O que vale é que tudo isso se esquece e quando chegava aquele paraíso terrestre que é a Luz esquecia-me das agruras para lá chegar.
Durante alguns anos, levámos amigos estrangeiros dos meus filhos que alinhavam connosco e eram interessantes. Lembro com saudades esses momentos.
Depois de me separar, comecei a ir para férias de avião na Ryanair com os meus filhos mais novos e tudo se tornou bem mais agradável. Ainda este ano, fui, em Junho, por esse meio. Leva-se 45m daqui até Faro e depois outros 45m de taxi até à Luz. Se não fosse o tempo de espera nos aeroportos, era fantástico.
A praia foi sempre para mim um escape à cidade. Verifico , hoje, que é o melhor antídoto para a depressão que me tem invadido nestes últimos meses. Às vezes , como hoje, nem saio com a ideia de lá ir, mas acabo por decidir na rua que é mesmo o que me apetece.
Basta apanhar o autocarro aqui no Campo Alegre e em 15m estou na Rua do Farol, onde saio. Em 5m estou na esplanada da Praia dos Ingleses, a minha favorita. Os empregados já me conhecem e sinto-me como peixe na água, mesmo em dias de nevoeiro.
Adoro aquela praia, as rochas de cores variegadas, os repuxos da maré cheia, as pessoas que se estendem ao sol com os seus piqueniques, as crianças a subir às rochas, os casais de namorados, todos felizes.Diverte-me tirar fotos como estas que aqui podem ver.
Oiço música, faço vídeos, contemplo o mar e acredito que ainda há coisas pelas quais vale a pena viver!
Muito se fala dos eucaliptos em Portugal e do seu efeito nocivo para a ecologia florestal, a contribuição para os incêndios selvagens, a morte de outras espécies mais ricas, etc. etc.
Sempre vi o eucalipto como uma árvore linda.
E útil. Ainda hoje uso bagas de eucalipto para pôr nos armários e chupo drops para a tosse.
Na quinta dos meus pais em Albarraque havia um eucaliptal - era assim que se chamava aquela área verde e cheirosa, onde íamos por vezes jogar as escondidinhas ou passear com o meu Avô que nos contava histórias inventadas por ele.
A minha Avó costumava pôr bagas de eucalipto na braseira que havia em casa dela e o aroma espalhava-se pela casa toda enchendo-nos os pulmões. Este cheiro ainda hoje me comove e faz pensar no calor da casa dos meus avós.
O meu Pai, que adorava árvores de grande porte, mandou plantar um eucalipto no jardim do Restelo logo que para lá fomos. Era tão pequenino que nós saltávamo-lo em altura dum lado para o outro.
Mas depressa cresceu e quando eu tinha 19-20 anos, via a sua copa da minha cama, onde me sentava muitas vezes a escrever ao meu namorado. Nas cartas que li recentemente, há inúmeras descrições de poentes e dos ramos com folhas do eucalipto a sussurrar ao vento ou descrição de silhuetas, escurecendo à medida que a noite se aproximava. O M. adorava esses descritivos românticos e pueris.
Lembro-me que foi com desgosto que me despedi desse eucalipto quando os meus Pais venderam a casa. O M. perguntava-me muitas vezes como é que eu tinha sobrevivido sem aquela árvore no meu horizonte (!). Eu tinha mais em que pensar na altura e os sonhos já eram.
Mais tarde cortaram a árvore pela raiz e hoje já não existe.
Quando vivi em Esposende, em 1977, fui várias vezes ao Monte de S. Lourenço, que fica a uns 6 kms da cidade. O meu marido gostava muito da capelinha, donde se avistava a Costa Verde até perder de vista nos dias de boa visibilidade. Numa das vezes em que lá fui, resolvi arrancar um eucalipto bébé da terra e enterrei-o no jardinzito que rodeava a nossa casa de magistrados. Ele pegou bem e estava lindo quando fomos enviados para Chaves, a comarca onde o meu marido tinha sido colocado. Nunca mais o vi.
Só voltei a ter ligações com eucaliptos, quando vim viver aqui para o Campo Alegre e fui ao Botãnico. Encontrei aqui um eucalipto já centenário, altíssimo deixando dezenas de bagas pelo chão onde passamos. O cheiro enebria-me. Por vezes sento-me num tronco só a respirar fundo.
rua do Campo Alegre
Há tempos descobri um outro eucalipto ainda no Jardim Botânico, junto às residências de estudantes, que podem ver na fotografia que tirei hoje. Parece o "meu" eucalipto do Restelo e também fica lindo ao pôr do sol, filigrana negra no céu rosado. Vejo-o daqui da minha varanda quase tão bem como via o meu da minha cama de adolescente.
Há coincidências interessantes. Parecem obras do destino.
E aqui fica um poema maravilhoso de Eugénio de Andrade, que gostaria agora de ler ao meu M., ele que fazia versos e os deixou em casa por todo o lado.
Nocturno a Duas Vozes
— Que posso eu fazer
senão beber-te os olhos
enquanto a noite
não cessa de crescer?
— Repara como sou jovem,
como nada em mim
encontrou o seu cume,
como nenhuma ave
poisou ainda nos meus ramos,
e amo-te,
bosque, mar, constelação.
— Não tenhas medo:
nenhum rumor,
mesmo o do teu coração,
anunciará a morte;
a morte
vem sempre doutra maneira,
alheia
aos longos, brancos
corredores da madrugada.
— Não é de medo
que tremem os meus lábios,
tremo por um fruto de lume
e solidão
que é todo o oiro dos teus olhos,
toda a luz
que meus dedos têm
para colher na noite.
— Vê como brilha
a estrela da manhã,
como a terra
é só um cheiro de eucaliptos,
e um rumor de água
vem no vento.
— Tu és a água, a terra, o vento,
a estrela da manhã és tu ainda.
— Cala-te, as palavras doem.
Como dói um barco,
como dói um pássaro
ferido
no limiar do dia.
Amo-te.
Amo-te para que subas comigo
à mais alta torre,
para que tudo em ti
seja verão, dunas e mar.
Eugénio de Andrade, in 'Poesia e Prosa [1940-1980]'
Verdes são os campos, De cor de limão: Assim são os olhos Do meu coração.
Campo, que te estendes Com verdura bela; Ovelhas, que nela Vosso pasto tendes, De ervas vos mantendes Que traz o Verão, E eu das lembranças Do meu coração.
Gados que pasceis Com contentamento, Vosso mantimento Não no entendereis; Isso que comeis Não são ervas, não: São graças dos olhos Do meu coração.
Escrito no meu tm, no Jardim Botânico: Aqui estou mais uma vez, neste local sagrado, onde o tempo parou. Oiço vozes de crianças lá ao longe, o ruído da VCI à distância.
Nada mais. Hoje não há pássaros. Fugiram ao calor estival. Os malmequeres estão lindos na sua singeleza branca. É uma das minhas flores
preferidas. O nó na garganta que há meses se instalou em mim, vai-se atenuando com o esforço que venho fazendo para me convencer de que só tenho mais alguns anos para viver e esses serão os únicos, os últimos. Quero viver para mim, espalhar alegria, abstrair-me do que é doloroso, feio e cruel. Estou rodeada de beleza em pequenos detalhes: as pétalas imaculadas dos malmequeres, o azul lilás das hortências, a candura rosada dos nenúfares em fim de gestação, os reflexos magenta da buganvília, a tremelicar na água do lago, o esplendor das dálias redobradas, os troncos cortados em formas e cores multifacetadas, os cambiantes de verdes, claros-escuros a tapar o sol brilhante, os matizes dos líquenes presos à pedra húmida, os papiros doirados sobre as folhas espalmadas dos nenufares...
Um bando de teenagers entra por aqui na galhofa. Nem ouvem o que o professor explica sobre os papiros,
estão-se nas tintas, queriam ir para a praia... Porque será que somos tão estúpidos aos 15 anos...? Ou será que só apreciamos o Belo quando sabemos que ele vai acabar?
Uma é ir para junto do mar e contemplar o vai e vem das ondas, respirando o cheiro da maresia e deixando-se banhar pelos raios solares. É uma das que mais uso quando estou em baixo e este ano é dia sim, dia sim....ou quase.
Outra é fazer tricot e ouvir música clássica no Mezzo ou no Spotify, deixando que a melodia em consonância com o clique das agulhas me elevem a mente.
Quando era jovem, aprendi a tricotar com a minha Mãe, que tinha aprendido com a sua Avó. O método era diferente do da minha Avó materna que tricotava com a lã passada pelo pescoço ou presa num alfinete no peito. A minha Mãe usava as mãos para fazer tudo e foi assim que eu aprendi. Os dedos mexiam-se com uma rapidez tal que as pessoas ficavam a olhar para mim no autocarro ( nas longas viagens em Lisboa), na praia ou até no liceu. Eu adorava tricotar e fiz camisolas para a família inteira, até para o meu Pai.
Aos 20 anos resolvi oferecer uma ao meu namorado. Estava entusiasmada, comprei eu a lã branca e muito macia e levei-a para a praia da Luz, onde íamos passar férias pela primeira vez. Lá, apesar da vida animada que levava, tricotei grande parte da camisola pelas medidas que a minha sogra tinha tirado. O M. não foi connosco , de modo que não pude provar-lha. Infelizmente, ou o M. emagreceu - na altura pesava 58kg e estava muito magro - ou as medidas não estavam correctas, a camisola ficou larguíssima, o decote em bico mal feito, enfim, foi um desgosto para os dois. Durante anos nunca mais tricotei para ele, embora continuasse a produzir modelos para os sobrinhos que não paravam de nascer e até para mim própria.
Quando estávamos em Chaves, em 1978, o frio era tanto que resolvi fazer um casaco para o M. com lã grossa. As camisolas de lambswool que ele tinha eram demasiado finas e não aqueciam nada. Comprei-a numa lojinha em frente ao tribunal, era fibra e lã e tinha uma textura fantástica. Também era dum azul inglês lindíssimo com uma leve mescla. Tricotei o casaco num ponto bastante complicado e com bolsos, o que fazia um efeito selecto.
O casaco ficou mesmo uma perfeição ( não estou aqui a gabar-me) e o M. usou-o durante mais de 30 anos. Entretanto trouxe-lhe outros de York, onde havia shetlands magníficos, mas aquele era o seu casaco favorito. Já velhinho usava-o em casa para trabalhar.
Anteontem fui lá à nossa casa para procurar uns documentos e dei com o casaquinho pendurado num cabide no quarto dele, como se ele o tivesse usado na véspera. Vieram-me as lágrimas aos olhos...
Entretanto nasceram filhos e netos e já fiz dezenas de pulovers para eles todos.
Neste momento estou a tricotar uma camisola para a minha filha, que adora vesti-las em Leeds onde faz mais frio que cá. Oiço o concerto para violino de Beethoven, que podem ouvir no vídeo acima, tocado magistralmente no Mezzo.
Foi este o primeiro concerto a que assisti na minha vida. Tinha 10 anos e foi no Coliseu dos Recreios. Nunca mais me esqueci.
Saudades, nostalgia...impossível não querer regressar ao passado.
Acordo de manhã sem um objectivo presente, sem saber bem o que vou fazer, sem projectos nem alegrias especiais.
De vez em quando há excepções como o Concerto da Academia Pauta no domingo, celebrando os 20 anos da instituição, em que todos os alunos participaram e ainda houve convidados - antigos alunos - que viajaram do estrangeiro para cá e tocaram em conjunto.
O meu neto André, de 11 anos, desempenhou um papel especial , dançando a solo o Cisne de Saint- Saens, numa versão contemporânea, que, infelizmente, não pudémos gravar.
De resto , a vida nunca me pareceu tão monótona e pouco aliciante. Está um tempo belo, luminoso, mas nem sequer me apetece ir à Foz ou aos parques. Nunca senti esta modorra, acho que ainda estou a sentir a ressaca da morte do meu marido, quanto mais o tempo passa, mais memórias me vêm, mais saudades se alimentam, mais necessidade tenho de alguém que não está aqui.
Penso que o tempo cura tudo. Gostava de me sentir mais animada mas não consigo. Daí passarem-se dias e dias em que não escrevo aqui no blogue. Melhores dias virão.
Fica aqui o vídeo de O Cisne, dançado por Lil' Buck e acompanhado por YoYo Ma, uma versão parecida com a que o meu neto produziu no palco da CdM.
Ontem voltei ao Botânico, embora estivesse um calor de brasa. Mesmo no jardim, se sentia a canícula. Andei por ali a fotografar as flores, que bem precisavam dum pouco de carinho, sequiosas e um pouco murchas. Mesmo assim, algumas conseguiram dar-me o alento que tanto precisava. Sentia-me só em casa e ali havia muita gente por causa da exposição sobre bioversidade que não vi.
É uma pena não haver voluntários que trabalhem para melhorar aquele jardim, se ele pertence à universidade do Porto, os estudantes poderiam trabalhar umas horinhas, aprendendo algo sobre as plantas taõ belas que o jardim encerra. Mas, em Portugal quer-se tudo dado, o Estado tem a obrigação de cuidar de tudo, mesmo daquilo que é património de todos nós.