Quando era jovem ajudava o meu Pai a montar filmes que ele fazia das suas viagens. Passava horas com uma maquineta a cortar partes que tinham ficado menos boas e a colar de novo de modo a produzir um grande filme que o meu Pai mostrava orgulhosamente aos amigos na sala, onde montava um ecran grande. Até tínhamos um filme da nossa infância a que nós chamávamos o : "Nós em pequenas" e que os meus filhos chegaram a ver. Depois desapareceu, assim como a máquina, na voragem das partilhas.
Esta semana montei o "filme da minha vida"... ou o puzzle da minha existência, como queiram.
Agora escrevo ao som do Concerto nº1 de Brahms, uma das peças mais plangentes e apaixonantes que conheço e estou a ouvir no Mezzo.
Fez no dia 25 seis meses que perdi o Amor da minha vida.
Praticamente sozinha no Porto nesta semana, acabei de reler e arrumar todas as cartas que o M. e eu escrevemos um ao outro desde 65 até 71. As caixas são lindas e de cores alegres, como muitos dos momentos que partilhámos juntos. Juntei postais, recordações, fotos e souvenirs, poemas, etc.
Não fiquei arrependida de ter feito tudo isto com o coração e com a cabeça, racionalizando todas as nossas palavras, interpretando-as à luz dos eventos que se iam sucedendo nas nossas vidas, cada vez mais separadas. Chorei copiosamente, ri-me com gosto, mas sobretudo senti que valeu a pena.
Durante o nosso namoro, que começou aos 19 anos, tínhamos vidas, não "uma vida" em comum.
Em comum, tínhamos paixão, sonho, desejo, atracção, química, ternura, anseios, generosidade e também, alguma frustração ou desilusão.
O que tínhamos em comum era infinitamente mais positivo do que o que nos separava. Infelizmente não bastava. E quando se diz que não casamos com uma pessoa , mas com a sua família, isso é bem verdade. Muito do que nos separava provinha do exterior, dos condicionalismos impostos pela família do M., pela distância e pela falta de posses de ambos.
foto tirada em 1995 na Tunísia, onde fomos muito felizes |
Cada um dos períodos do nosso namoro se define bem como a temperatura num termómetro, com mais ou menos calor, com mais ou menos coração, com mais ou menos realismo, com mais ou menos desespero. Tudo foi analisado por nós até ao mais ínfimo pormenor. Cada um de nós escrevia sobre os nossos encontros, auto-hetero-criticando-se. Nem sempre concordávamos com a análise feita. Mas tentávamos melhorar. Também discutíamos as nossas posições religiosas e nunca deixámos de nos preocupar com o sucesso do outro. A expressão "reza por mim" é quase tão comum como o "Amo-te" ou o "Wait for me".
Hoje pergunto-me o que teria acontecido se tivéssemos cortado de vez nos momentos em que o desejámos sem o conseguir. E o que teria acontecido se não nos tivéssemos reencontrado em 1973 após dois anos de travessia do deserto no que se relaciona à nossa relação?
O mais caricato foi termos estado quase um ano na mesma cidade - Lisboa - sem eu saber que o M. lá estava. Vivíamos a dois passos, mas ele não me procurou. Sempre soube que eu fizera a tese e o estágio e era professora ali, mas não queria prender-me sem acabar a tropa e definir o seu futuro na magistratura. Foi o acaso que nos fez reencontrar... :)
A minha vida dava um filme....se dava. Maior do que os do meu Pai.
Lidas todas estas cartas, o filme da nossa vida desenrola-se perfeitamente claro e transparente. No entanto, muitas vezes me interrogo sobre mim própria e as minhas decisões. Também me arrependo de muitas atitudes que tomei. Duma maneira geral, porém, sinto que fui uma Mulher em momentos cruciais, vivi plenamente e realizei quase tudo o que quis. Excepto o Amor, que ficou inacabado. Naquele quarto de hospital, branco, gelado e impessoal, terminou.
Fotografei 180 páginas inteiras de cartas que guardei aqui no Picasa. É comovente lê-las de vez em quando. Mas não consigo branquear tudo o que se passou depois nos 30 anos em que vivemos juntos. Se nos amávamos - e não duvido disso nem por um segundo -, também permitimos que a erosão lapidasse os alicerces daquele que tinha sido um grande Amor. Por isso, tenho escrito um diário que já tem 170 páginas com considerações sobre o que vivi e o que hoje vivo e sinto.
Foi nisto tudo que pensei hoje na Foz onde andei durante 4 horas - cerca de 3km - olhando o mar, observando as pessoas felizes que aproveitavam a tarde sem vento e cheia de sol, que convidava a banhos.
A Foz é uma mistura espectacular de pessoas, sem distinção de meio social, cor, raça ou posses.
A Foz é uma toalha na areia e um fato de banho, um bikini, um telemóvel, uma garrafa de água.
Todos têm o mesmo.
E todos ambicionam o mesmo: sol e mar.
Bendita cidade que tem um espaço destes ao virar da esquina.
Enquanto lá estive ouvi uma hora de canções francesas, entre as quais esta do Adamo, que ouvíamos muito na nossa juventude.
A letra tem tudo a ver com a minha vida.
C'EST MA VIE
Notre histoire a commencé
Par quelques mots d'amour
C'est fou ce qu'on s'aimait
Et c'est vrai tu m'as donné
Les plus beaux de mes jours
Mais je te les rendais
Les secrets de mon cœur
De chanson en chanson
Et mes rêves et mes je t'aime
Le meilleur de moi-même
Jusqu'au moindre frisson
Ma candeur et mes vingt ans
Avaient su t'émouvoir
Je te couvrais de fleurs
Mais quant à mon firmament
J'ai vu des nuages noirs
J'ai senti ta froideur
Mes rires et mes larmes
La pluie et le soleil
C'est toi qui les régis
Je suis sous ton charme
Souvent tu m'émerveilles
Mais parfois tu m'oublies
C'est ma vie, c'est ma vie
Je n'y peux rien
C'est elle qui m'a choisi
C'est ma vie
C'est pas l'enfer,
C'est pas l'paradis
J'ai choisi des chaînes
Mes amours, mes amis
Savent que tu me tiens
Devant toi, sur scène
Je trouve ma patrie
Dans tes bras, je suis bien
Le droit d'être triste
Quand parfois j'ai cœur gros
Je te l'ai sacrifié
Et devant toi j'existe
Je gagne le gros lot
Je me sens sublimé
Substituamos os adjectivos masculinos pelo femininos e "chanson" por "lettres"....eis a minha VIDA.
E X C E L E N T E !!!
ResponderEliminarBeijo Grande
Filipe
Levei horas a escrever isto, mas é exactamente o que sinto.
EliminarBjos
Em adolescente o que queria para a minha vida e pensava que se calhar não iria ter era viver um grande amor.
ResponderEliminarum beijinho
O meu filho diz-me quando eu estou triste que poucas pessoas se poderão orgulhar de ter tido uma experiência conjugal desta natureza, de ter sido amada desde o primeiro minuto até ao último em que o meu marido esteve comigo. Só tenho pena de não lhe ter dito quanto o amava, mesmo depois de nos separarmos...
ResponderEliminarÉ um post escrito com muita alma e numa escrita apelativa!
ResponderEliminarDessa vez não fui à Foz . É um lugar que gosto bastante . A minha passagem pela cidade do Porto foi rápida de apenas uma tarde . todas as vezes que lá vou interrogo-me por que razão não foi escolhida esta cidade para eu viver . Sinto que tem mais a ver com a minha forma de estar na vida . Gosto da concentração dos espaços e aqui é tudo disperso . Para além doutros pormenores .
A Virgínia tem potencial para se sentir de alguma forma realizada porque conseguiu muito na vida e continua a saber dar a volta às adversidades com muita inteligência . Beijo .
Sim, o Porto é uma cidade acolhedora em todos os aspectos. O centro tem tudo e preços mais acessíveis que Lisboa. Já lá não vou há anos, mas prefiro ir ao estrangeiro. Em Setembro quero ir a Escócia com a Luísa. Edimburgo e parecido com o Porto. Hoje está um dia maravilhoso. Estou na Foz, está uma brisa a cheirar a maresia, maravilhosa. Se voltar cá prometa que vem a minha casa, ok?
EliminarSó quem viveu consegue transmitir com tanto realismo e romantismo o que sentiu e continua a sentir. Todos esses pedaços de vida são um bálsamo para cada dia que vem.
ResponderEliminarBeijinho
Vivi e vivo todos os dias. Falo com o M. Como se ele estivesse a ouvir-me. Choro muito a propósito de tudo. Mas amo a vida e sei que o que ele mais amava em mim era o sorriso. Procuro mantê-lo.
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