Muito se fala dos eucaliptos em Portugal e do seu efeito nocivo para a ecologia florestal, a contribuição para os incêndios selvagens, a morte de outras espécies mais ricas, etc. etc.
Sempre vi o eucalipto como uma árvore linda.
E útil. Ainda hoje uso bagas de eucalipto para pôr nos armários e chupo drops para a tosse.
Na quinta dos meus pais em Albarraque havia um eucaliptal - era assim que se chamava aquela área verde e cheirosa, onde íamos por vezes jogar as escondidinhas ou passear com o meu Avô que nos contava histórias inventadas por ele.
A minha Avó costumava pôr bagas de eucalipto na braseira que havia em casa dela e o aroma espalhava-se pela casa toda enchendo-nos os pulmões. Este cheiro ainda hoje me comove e faz pensar no calor da casa dos meus avós.
O meu Pai, que adorava árvores de grande porte, mandou plantar um eucalipto no jardim do Restelo logo que para lá fomos. Era tão pequenino que nós saltávamo-lo em altura dum lado para o outro.
Mas depressa cresceu e quando eu tinha 19-20 anos, via a sua copa da minha cama, onde me sentava muitas vezes a escrever ao meu namorado. Nas cartas que li recentemente, há inúmeras descrições de poentes e dos ramos com folhas do eucalipto a sussurrar ao vento ou descrição de silhuetas, escurecendo à medida que a noite se aproximava. O M. adorava esses descritivos românticos e pueris.
Lembro-me que foi com desgosto que me despedi desse eucalipto quando os meus Pais venderam a casa. O M. perguntava-me muitas vezes como é que eu tinha sobrevivido sem aquela árvore no meu horizonte (!). Eu tinha mais em que pensar na altura e os sonhos já eram.
Mais tarde cortaram a árvore pela raiz e hoje já não existe.
Quando vivi em Esposende, em 1977, fui várias vezes ao Monte de S. Lourenço, que fica a uns 6 kms da cidade. O meu marido gostava muito da capelinha, donde se avistava a Costa Verde até perder de vista nos dias de boa visibilidade. Numa das vezes em que lá fui, resolvi arrancar um eucalipto bébé da terra e enterrei-o no jardinzito que rodeava a nossa casa de magistrados. Ele pegou bem e estava lindo quando fomos enviados para Chaves, a comarca onde o meu marido tinha sido colocado. Nunca mais o vi.
Só voltei a ter ligações com eucaliptos, quando vim viver aqui para o Campo Alegre e fui ao Botãnico. Encontrei aqui um eucalipto já centenário, altíssimo deixando dezenas de bagas pelo chão onde passamos. O cheiro enebria-me. Por vezes sento-me num tronco só a respirar fundo.
rua do Campo Alegre |
Há tempos descobri um outro eucalipto ainda no Jardim Botânico, junto às residências de estudantes, que podem ver na fotografia que tirei hoje. Parece o "meu" eucalipto do Restelo e também fica lindo ao pôr do sol, filigrana negra no céu rosado. Vejo-o daqui da minha varanda quase tão bem como via o meu da minha cama de adolescente.
Há coincidências interessantes. Parecem obras do destino.
E aqui fica um poema maravilhoso de Eugénio de Andrade, que gostaria agora de ler ao meu M., ele que fazia versos e os deixou em casa por todo o lado.
Nocturno a Duas Vozes
— Que posso eu fazer
senão beber-te os olhos
enquanto a noite
não cessa de crescer?
— Repara como sou jovem,
como nada em mim
encontrou o seu cume,
como nenhuma ave
poisou ainda nos meus ramos,
e amo-te,
bosque, mar, constelação.
— Não tenhas medo:
nenhum rumor,
mesmo o do teu coração,
anunciará a morte;
a morte
vem sempre doutra maneira,
alheia
aos longos, brancos
corredores da madrugada.
— Não é de medo
que tremem os meus lábios,
tremo por um fruto de lume
e solidão
que é todo o oiro dos teus olhos,
toda a luz
que meus dedos têm
para colher na noite.
— Vê como brilha
a estrela da manhã,
como a terra
é só um cheiro de eucaliptos,
e um rumor de água
vem no vento.
— Tu és a água, a terra, o vento,
a estrela da manhã és tu ainda.
— Cala-te, as palavras doem.
Como dói um barco,
como dói um pássaro
ferido
no limiar do dia.
Amo-te.
Amo-te para que subas comigo
à mais alta torre,
para que tudo em ti
seja verão, dunas e mar.
Gostei do poema, não o conhecia.
ResponderEliminar