sábado, 15 de junho de 2013

Um percurso

Cansada de tanta polémica, indignada pela cegueira de algumas pessoas que ignoram por completo o que é a vida dum professor, resolvi ir espairecer para o meu lugar favorito. Lá meditei sobre o que foi a minha vida dedicada ao ensino, enquanto tirava fotografias de mais algumas flores, na certeza de que essas estão em uníssono comigo.


Quando comecei, era relativamente fácil entrar no mercado de trabalho. Mal me licenciei, concorri tanto para o estágio como para professora eventual e arranjei colocação em dois liceus de Lisboa, qual deles o melhor. Optei por fazer o estágio no Pedro Nunes, pois o meu irmão mais novo andava lá no antigo 7º ano e teria a companhia e apoio moral dele, já que eu com 24 anos era a mais novinha do grupo; os meus colegas eram todos dez anos mais velhos com longa experiência no ensino. Sofri bastante e quando o ano terminou, jurei que não aguentaria ser professora por mais do que cinco anos....como estava errada!

Segui daí para o Liceu MªAmália, onde ensinei durante três anos -  mais alemão do que inglês ( no tempo em que havia alunos de alemão!!) e onde vivi o 25 de Abril. No ano quente de 74-75, fiz parte da Comissão de Gestão - cinco colegas de quadrantes políticos diferentes -  que foi eleita pela escola de entre três num clima de turbulência indescritível.

Em 1975 parti para a Beira Baixa, onde comecei o meu périplo pelo país. Só em 1979 vim para o Porto, onde já era efectiva no Liceu Carolina Michaelis, uma escola muito airosa com  pergaminhos e brio.
Aí estive quase trinta anos até 2008. Tive horários dos mais diversos e até ao sábado.
O mais extenuante era dar 5 aulas seguidas das 13.30 até às 18.15 non-stop, pegar nos 3 filhos e vir para casa e tratar deles, praticamente sozinha, até à hora de irem para a cama. No dia seguinte, levantava-me pelas 7 horas para os preparar para o colégio e depois trabalhava na preparação das aulas, via testes, estudava ( nunca deixei de o fazer) ou criava materiais escolares até à hora de almoço. Tudo recomeçava em seguida.

Nos últimos anos cheguei a ter três blocos de 90m seguidos numa manhã, o que era mesmo uma violência. Ninguém - a não ser outros professores - sabe o que isso é.
Uma aula obriga a uma atenção permanente, uma calma imperturbável, um instinto pedagógico, força física e mental, capacidade de diálogo, qualidades histriónicas, amor aos alunos e competência. Não é uma tarefa fácil e quem diz que deveríamos ser avaliados, esquece-se de que temos 100 ou mais alunos a avaliar-nos todos os dias, os pais que observam de longe e só sabem criticar, nunca apoiar. Ainda tive 56 estagiários, que nunca esquecerei e que me avaliaram durante quase vinte anos.

A minha vida foi difícil, mas o caminho a direito, sem precariedade, sem encolhos, com progressão que me estimulava, embora nunca a tenha posto acima da minha actividade pedagógica.

Aposentei-me ao fim de 37 anos, extremamente cansada, já com dificuldade em lidar com alunos mais rebeldes. Entusiasmavam-me as aulas espontâneas e muitas vezes preparava-as ad hoc com materiais da internet, fotocópias tiradas na hora à minha custa, projectos vários, uso de audivisuais de que fui sempre fã. Sempre deixei o suor na sala de aula.

Desde 1982,  trabalhei sempre em manuais escolares simultaneamente, o que me fez progredir enormemente em todos os campos.

O meu percurso foi feliz. Mas não foi fácil. Nunca fiz greves, nunca me sindicalizei e nunca facilitei. O meu brio era igual ao da minha escola, uma escola que lutou até à exaustão para não desaparecer do mapa no princípio do século...





2 comentários:

  1. Sem dúvida uma carreira brilhante! Como diz, e eu não sou professor, é realmente uma profissão muito desgastante e nem sempre apreciada para quem está de fora. O que tinha de bom naqueles tempos, é que o emprego era automático após a licenciatura. Mas bem deveria ter o prémio, após tantos anos esgotantes, sem os cortes "doidos" na reforma...

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  2. Obrigada, Anónimo (?),

    Este seu post veio dar-me algum ânimo num dia cinzentão aqui no Porto.

    Nós tínhamos mais ou menos a certeza de arranjar lugar, mas também nem sempre havia vaga. O meu marido esteve em Esposende e eu no Carolina a 43 kms de distância.

    Tive cortes na reforma. Hoje ganho menos 300 euros do que ganhava quando me reformei.

    Cumprimentos!

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