domingo, 19 de novembro de 2017

Finalmente outono II


Já tinha desesperado de ver as árvores vestidas de outono. Fui várias vezes ao Botânico, andei no parque da cidade, passava pelas ruas que habitualmente ostentam as cores maravilhosas e quentes desta estação e... nada.
Esta semana, parece que passou por aqui uma fada e a juntar ao tempo estival, temperaturas amenas e falta de chuva, veio o outono finalmente.


O jardim Botânico às 5 da tarde, com o sol já a por-se , mas a iluminar as copas das árvores e a permitir contrastes sol-sombra mais agressivos, oferecia um espectáculo inolvidável. 

Julguei estar no Brasil ou na Madeira, um lugar exótico, tal a profusão de cores e a beleza das espécies que fazem deste jardim algo muito especial.
  




Sophia de Mello Breyner escreveu uma carta ao seu querido Primo Rúben Andersen Leitão, vulgo Ruben A., na ocasião da sua morte, que fala desta casa e deste jardim. Eles melhores que ninguém saberiam apreciar estas cores e momentos.

Aqui fica a carta com as fotos que hoje tive a sorte de tirar. Também fica a música maravilhosa do islandês Olafur Arnalds, uma peça que considero genial.



Carta a Ruben A.

Que tenhas morrido é ainda uma notícia
Desencontrada e longínqua e não a entendo bem
Quando — pela última vez — bateste à porta da casa e te sentaste à mesa
Trazias contigo como sempre alvoroço e início
Tudo se passou em planos e projectos
E ninguém poderia pensar em despedida
Mas sempre trouxeste contigo o desconexo
De um viver que nos funda e nos renega
— Poderei procurar o reencontro verso a verso
E buscar — como oferta — a infância antiga
A casa enorme vermelha e desmedida
Com seus átrios de pasmo e ressonância
O mundo dos adultos nos cercava
E dos jardins subia a transbordância
De rododendros délias e camélias
De frutos roseirais musgos e tílias
As tílias eram como catedrais
Percorridas por brisas vagabundas
As rosas eram vermelhas e profundas
E o mar quebrava ao longe entre os pinhais
Morangos e muguet e cerejeiras
Enormes ramos batendo nas janelas
Havia o vaguear tardes inteiras
E a mão roçando pelas folhas de heras
Havia o ar brilhante e perfumado
Saturado de apelos e de esperas
Desgarrada era a voz das primaveras
Buscarei como oferta a infância antiga
Que mesmo tão distante e tão perdida
Guarda em si a semente que renasce


Junho de 1976
in O Nome das Coisas, 1977

sábado, 18 de novembro de 2017

Finalmente outono

colagem de fotografias tiradas da minha varanda


QUANDO

QUANDO O MEU CORPO APODRECER E EU FOR MORTA
CONTINUARÁ O JARDIM, O CÉU E O MAR,
E COMO HOJE IGUALMENTE HÁO-DE BAILAR
AS QUATRO ESTAÇÕES À MINHA PORTA.

SERÁ O MESMO BRILHO, A MESMA FESTA,
SERÁ O MESMO JARDIM À MINHA PORTA,
E OS CABELOS DOIRADOS DA FLORESTA,
COMO SE EU NÃO ESTIVESSE MORTA.




SOPHIA DE MELLO BREYNER

domingo, 5 de novembro de 2017

Waiting for the rain


You will say that everybody has seen landscapes and figures from childhood on. The question is: has everybody also been reflective as a child, has everybody who has seen them loved also heath, fields, meadows, woods, and the snow and the rain and the storm? Not everybody has done that like you and I, it is a peculiar kind of surroundings and circumstances that must contribute to it, it is a peculiar kind of temperament and character too, which must help to make it take root . . .  

Van Gogh, Vincent.  / letters