sábado, 27 de abril de 2019

Fernão Capelo Gaivota





Superfície azul do céu,
asas em curva de dores,
Fernão Capelo levanta e voa,
porque voar é importante,
mais que comer e viver.




Caro é pensar diferente,
viver em infinitos,
voar dias inteiros 
só aprendendo a voar.



Gaivota que se preza

tem de sentir as estrelas, 
analisar paraísos,
conquistar múltiplos espaços.




Para Fernão nada é limite:

voa, treina, aprende, 
paira sobre o comum do viver.
Se o destino é o infinito,


o caminho é nas alturas!


                                       Fernão Capelo Gaivota

       Versão original:






Lost
On a painted sky
Where the clouds are hung
For the poet's eye
You may find him
If you may find him
There
On a distant shore
By the wings of dreams
Through an open door
You may know him
If you may


Be
As a page that aches for a word
Which speaks on a theme that is timeless
While the one God will make for your day
Sing
As a song in search of a voice that is silent
And the sun God will make for your way

And we dance
To a whispered voice
Overheard by the soul
Undertook by the heart
And you may know it
If you may know it

While the sand
Would become the stone
Which begat the spark
Turned to living bone
Holy, holy
Sanctus, sanctus

Be
As a page that aches for a word
Which speaks on a theme that is timeless
While the one God will make for your day
Sing
As a song in search of a voice that is silent

And the one God will make for your way


         Richard Bach/ Neil Diamond

quinta-feira, 25 de abril de 2019

Mudança de visual


Hoje para comemorar o Dia da Liberdade (?),  usei a dita para aplicar ao blogue uma foto dum quadro que pintei há dez anos e a que chamei "Árvores doidas" visto que as cores estão trocadas e as árvores parecem esbracejar numa ânsia de libertação.

É a minha imaginação a falar!!

Aproveito para colocar aqui um poema Liberté de Paul Éluard, que o M. me ofereceu quando nos namorávamos, em 1965.

LIBERTÉ

Sur mes cahiers d’écolier
Sur mon pupitre et les arbres
Sur le sable sur la neige
J’écris ton nom

Sur toutes les pages lues
Sur toutes les pages blanches
Pierre sang papier ou cendre
J’écris ton nom

Sur les images dorées
Sur les armes des guerriers
Sur la couronne des rois
J’écris ton nom

Sur la jungle et le désert
Sur les nids sur les genêts
Sur l’écho de mon enfance
J’écris ton nom

Sur les merveilles des nuits
Sur le pain blanc des journées
Sur les saisons fiancées
J’écris ton nom

Sur tous mes chiffons d’azur
Sur l’étang soleil moisi
Sur le lac lune vivante
J’écris ton nom

Sur les champs sur l’horizon
Sur les ailes des oiseaux
Et sur le moulin des ombres
J’écris ton nom

Sur chaque bouffée d’aurore
Sur la mer sur les bateaux
Sur la montagne démente
J’écris ton nom

Sur la mousse des nuages
Sur les sueurs de l’orage
Sur la pluie épaisse et fade
J’écris ton nom

Sur les formes scintillantes
Sur les cloches des couleurs
Sur la vérité physique
J’écris ton nom

Sur les sentiers éveillés
Sur les routes déployées
Sur les places qui débordent
J’écris ton nom

Sur la lampe qui s’allume
Sur la lampe qui s’éteint
Sur mes maisons réunies
J’écris ton nom

Sur le fruit coupé en deux
Du miroir et de ma chambre
Sur mon lit coquille vide
J’écris ton nom

Sur mon chien gourmand et tendre
Sur ses oreilles dressées
Sur sa patte maladroite
J’écris ton nom

Sur le tremplin de ma porte
Sur les objets familiers
Sur le flot du feu béni
J’écris ton nom

Sur toute chair accordée
Sur le front de mes amis
Sur chaque main qui se tend
J’écris ton nom

Sur la vitre des surprises
Sur les lèvres attentives
Bien au-dessus du silence
J’écris ton nom

Sur mes refuges détruits
Sur mes phares écroulés
Sur les murs de mon ennui
J’écris ton nom

Sur l’absence sans désir
Sur la solitude nue
Sur les marches de la mort
J’écris ton nom

Sur la santé revenue
Sur le risque disparu
Sur l’espoir sans souvenir
J’écris ton nom

Et par le pouvoir d’un mot
Je recommence ma vie
Je suis né pour te connaître
Pour te nommer

Liberté.

Paul Eluard

Poésie et vérité 1942

Uma ribeira que é uma margem


Chama-se Ribeira, mas não o é no sentido literal, não tem água nenhuma,  é terra firme que se debruça sobre um dos mais lindos rios que conheço. É a margem....e a ponte é uma miragem....



Passeio na Ribeira como se fora turista....e de certo modo sou-o, pois que não nasci nesta bela cidade.
Uma amiga minha dizia que eu era a lisboeta mais nortenha que conhecia. Na altura ri-me, pois nem sequer vivia aqui, só me tinha casado com um tripeiro e defendia a sua cidade com unhas e dentes, contra tudo e contra todos.



 Ele dizia-me por vezes verdade como punhos. Que os lisboetas achavam que eram grandes trabalhadores, mas que, afinal, passavam o dia a correr dum lado para o outro sem produzir nada de relevo. O que se produzia a sério era aqui no norte, onde quem trabalhava dava o litro e tinha orgulho no que fazia.

Por vezes, eu irritava-me e contradizia-o, mas ele dava-me exemplos de amigos meu que pouco faziam e viviam bem...

Passear na Ribeira e ver todos estes turistas lembra-me Lisboa e Cascais, onde se viam muitos estrangeiros e se sentia o cosmopolitismo no ar. Só agora chegou ao Porto, um aroma internacional, que enche cafés e restaurante e que faz filas para ver coisas belas que esta cidade ostenta com orgulho. Passear aqui passou a ser quase um roteiro obrigatório.



Ribeira




O sol bate no goraz
nas sardinhas
nos legumes
as laranjas
e as maças
enchem o ar
de perfumes
torna-se duro o inverno
logo p´la manhã vem
o aconchego terno
do velho xaile de lã
A ponte é uma passagem
p´rá outra margem
A ponte é uma passagem
p´rá outra margem
Desafio pairando sobre o rio
a ponte é uma miragem...
Nas tasquinhas decoradas
curte-se o chique burguês
comem-se boas dobradas
ostenta-se a embriaguês
Há um navio fantasma
na voz de uma peixeira
e um velhote com asma mente à
própria ribeira
A ponte é uma passagem
p´rá outra margem
A ponte é uma passagem
p´rá outra margem
Desafio pairando sobre o rio
a ponte é uma miragem...
A ponte é uma passagem
p´rá outra margem
A ponte é uma passagem
p´rá outra margem
A ponte é uma passagem
p´rá outra margem

Jáfumega

terça-feira, 16 de abril de 2019

A minha Via Sacra :)


Escrevo do jardim Botânico, onde passo os dias a meditar e a gozar dos prazeres da vida com a Natureza, os únicos que, neste momento, me são sagrados.


Mais um dia no meu refúgio, onde o verde é quase demasiado verde, onde as pedras rugosas se transformaram em blocos de musgo aveludado e as plantas parecem irmanadas à volta do charco numa prece silenciosa, que nem o ruído impiedoso da VCI perturba.



Pássaros chilreiam felizes e também se ouve o rouco coaxar das rãs. Uma pedra atirada ao charco leva algum tempo a desenhar círculos, tão denso é o lodo.
O cheiro do eucalipto é inebriante e relembra-me as tardes frias passadas na casa dos meus avós à roda da braseira ardente. Tenho os dedos impregnados por estas bagas e de repente, ao cheirá-los,  volto à infância feliz doutros tempos. Até me parece ouvir a voz do meu Pai dizendo que braseiras fazem mal à saúde....os meus Avós não tinham aquecedores a óleo, nem dinheiro para pagar a eletricidade. Moravam num 5º andar sem elevador e até aos 82 anos, o meu Avô subia aquelas escadas praticamente todos os dias. Estava frio, mas eu sentia-me bem quentinha naquela casa. Nunca a esquecerei. A minha infância sem essas memórias seria muito mais pobre.


Já tudo partiu, já tudo findou há quase 50 anos,  mas eis que tudo ressurge num subconsciente que não morreu.

Este cheiro das bagas de eucalipto também me faz recordar passeios com o meu M. no Vale de Canas em Coimbra quando conseguíamos fugir de todos e estar sós. Era aí que nos beijávamos sem medo, nem pudor, como se não houvesse amanhã...

Adoro este cantinho onde só se ouvem algumas vozes de jovens turistas numa algaraviada imperceptível. Os pássaros respondem lhes na mesma toada ainda mais sonora.


Paraíso ou não depois da morte, já o encontrei neste recanto.
Tomo-o por garantido, meu, enquanto puder deslocar me até aqui.
Tão meu, quanto estas árvores centenárias, que, se pudessem falar, contariam histórias inimagináveis de amores correspondidos, sonhos intangíveis, poemas inacabados...vidas passadas que poderão ter-se incarnado nalgum ser ali escondido...quem sabe?

segunda-feira, 15 de abril de 2019

A nova Páscoa



Quando se pensa em Páscoa hoje em dia, vem-nos à cabeça folhetos de férias, passeios de carro, paisagens magníficas por regiões mais remotas, cheiros primaveris, flores e iguarias próprias da época. Lazer, descanso depois dum período longo de inverno e de trabalho.

Poucas pessoas pensam no significado religioso da palavra, na História que subjaz por detrás da memória. O sentido profano ultrapassa de longe o religioso.

As igrejas estão vazias a não ser nos domingos de Ramos e de Páscoa, talvez porque a eles se aliam também a cerimónias populares, procissões, tradições, etc.

Basta ver os programas de TV, que se centram nos comeres da província, nos pratos regionais, nas doçuras de fazer água na boca e no trabalho à volta do forno ou das panelas. Poucos programas falam de religião e dos costumes ou rituais verdadeiramente espirituais em torno do acontecimento mais marcante da vida de Cristo: a sua morte e para quem acredita,a sua Ressureição.

Hoje escrevi isto num blogue em que se falava da Semana Santa:

"Fui crente até aos 20 anos duma forma consistente e profunda, que me levava a ler os Evangelhos e a seguir as normas da Igreja como se não houvesse mais alternativas. 


Casei com um agnóstico, inteligente e lúcido, o que me alterou por completo a visão da vida, da nossa existência neste mundo e até do futuro para além dela. 
Como muitas pessoas da minha idade um pouco "fanáticas, e com o cérebro lavado pelos professores e padres da "antiga senhora",  acabei por dar uma volta de 180º após o 25/4 e de passar a estudar o outro lado, que nos era vedado. 
Na Faculdade, em 1966~67,  estudei Camus e Sartre, fiz a cadeira de História do Cristianismo e li outros autores crentes ou completamente ateus. Li Renan, Daniel Rops, Simone de Beauvoir, Papin, Simone Veil etc. numa fase em que eu era um verdadeiro bicho de biblioteca. 


Na semana santa, chegava a ir todos os dias à minha paróquia de sempre, ler os Evangelhos, rezar ou comungar. Gostava daquele ritual e acreditava que a minha vida e a do meu namorado poderiam melhorar. Até tentei convertê-lo, mas não consegui. Ele era mais culto e inteligente que eu. 

Hoje , passados 50 anos , não acredito em nada para além da vida. Repudio em especial a Igreja Católica, instituição, que me parece ser o cerne de muitos males que afligem as sociedades católicas, as sul americanas, as asiáticas e até o nosso Portugalzinho tão beato , hipócrita e falso, fiel à clique eclesial, aos beija-mãos e mordomias dos padres em geral. As sociedades católicas são atrasadas visceralmente, preconceituosas e fechadas à inovação. Fátima é uma fraude imensa.

Claro que há excepções, e conheci na minha vida várias pessoas que me influenciaram para bem, como o prior dos Jerónimos, P. Felicidade Alves, grande amigo dos meus pais, que acabou por abandonar a Igreja e casar-se. Foi bom para mim ser criada numa família crente, os valores que hoje tento passar para os meus netos são os mesmos, ainda que muito mais liberais.


Neste momento a única vertente que me liga à Igreja é a Música. Através dela consigo ver algo de místico, de transcendente e belo. 

Para mim, Bach é um Deus. 




Ouvi-lo eleva-me....mais do que todas as imagens, filmes, livros,  textos, prédicas, palavras ou actos que possam vir de padres ou leigos da nossa sociedade. 


Só a Música me faz acreditar em algo sobre
natural.  


Deixo-vos aqui a Missa em Si menor de Bach.  



Páscoa feliz!





sábado, 13 de abril de 2019

Leituras



Cada vez gosto mais de ler.
No Kindle, onde tenho uma biblioteca de 130 livros que descarreguei em momentos vários e por motivações várias. A letra é grande, não pesa nada, leio onde me apetece, ando sempre com eles na carteira, tudo é apetecível.

Tenho romances que deram filmes, autobiografias de pessoas interessantes, livros escritos por autores de séries, reflexões e textos de filósofos ou pensadores modernos, poesia, letras de canções, pintura ou cozinha, cartas interessantes, etc. Não os dispenso no autocarro, na sala de espera do consultório, no café enquanto espero pelo almoço e em casa no silêncio da noite.


Já li uns 70 desta lista, mas também houve alguns que não consegui acabar, como o da Daphné du Maurier, que, outrora fariam as minhas delícias, mas que agora me fazem bocejar.

Gosto de livros com suspense, como The Girl on the train ou biografias como a de Michelle Obama. Leio poesia quando me apetece espairecer, mas não leio duma assentada.

Há muitos mais livros aqui em casa que poderia ler, mas cada vez tenho mais aversão ao pó, à letra miudinha dos Penguin ou Livres de Poche. Mesmo assim, já li recentemente alguns romances interessantes como A Manhã do Mundo, Atonement ou My name is Alice.

Anteontem, depois de ter visto num blogue que HSC ia lançar mais um livro,


resolvi comprar dois dela em formato Kindle, que li duma assentada. Deitei-me tarde a lê-los no silêncio da minha sala. Nunca tinha lido nenhum, apenas folheara na Bertrand enquanto tomava um café.
Deixaram-me um pouco perplexa porque ao lê-los, tive a sensação de estar a "cuscar" a vida duma pessoa muito popular, que gosta de se expôr e revelar os seus segredos, partindo do princípio que a sua intimidade quotidiana interessa à maioria dos comuns dos mortais, sedentos de afecto. Aliás parece que esta palavra "afecto" agora está na moda como se todos nós precisássemos de miminhos e carinhos de pessoas que não nos são nada.

O curioso é que há precisamente sete anos escrevi este texto sobre a mesma autora e é exactamente o que ainda penso depois de ter lido dois exemplares.

" Sentei-me no bar da Livraria Leitura e enquanto bebia um carioca de limão ( a bebida favorita do meu neto quando vem cá a casa!!) e comia um pecaminoso bolo de noz , folheei o livro de Helena Sacadura Cabral, que é quase um blogue em papel com considerações sobre o que a autora valoriza na vida. Não fiquei interessada em o comprar, embora saiba que é uma pessoa com classe a todos os níveis. Já há muitos livros com cogitações íntimas e na era da Internet, em que tudo isso pode ser transmitido num blogue, num facebook ou twitter, onde é lido por centenas de pessoas, parece-me irrelevante que fique registado para a posteridade. Não censuro que se publiquem, as editoras lá sabem o que é que vende, mas há tantos escritores, poetas e historiadores que não arranjam editores para as suas obras originais e interessantes, que este tipo de livro - há-os às dezenas, neste momento - não me desperta nenhuma vontade de gastar dinheiro para o ler em casa.
Talvez um dia me arrependa de ter escrito isto e resolva publicar este blogue.....mas ainda muita água correrá debaixo da ponte. O livro em questão está no Top dos livros mais vendidos esta semana. As pessoas são curiosas ou bizarras, como diria o Principezinho. "


Não me arrependo de ter escrito isto há sete aos, embora na altura houvesse quem me criticasse. Infelizmente os comentários desapareceram desse blogue.

Estes livros criam uma certa dependência, mas não acrescentam grande coisa no aspecto cultural, intelectual ou até de lazer. Nem sequer no campo afectivo, pois os afectos parecem muito forçados e diria mesmo que alardeados, como se fosse necessário fazer uma lista de todas as pessoas que se atravessam na nossa vida e deixam marcas, para que os outros saibam que temos muitos amigos e que nunca estaremos sós...

Não estou arrependida de os ter lido, note-se, até para poder expressar uma opinião. Não compreendo é o êxito dos seus livros que já vão numa dúzia ou mais.

Ninguém é obrigado a comprá-los - não são nada baratos - e muito menos a lê-los. Ainda bem que há quem goste se não as editoras iam à falência. :)


sexta-feira, 12 de abril de 2019

Se isto é o Paraíso, não quero outro lugar



É o refrão duma canção da telenovela Valor da Vida.

Lindo.

Mais uma vez me quedo a ouvir os chilreios dos pássaros em uníssono com os pesados da VCI, aqui, junto ao charco onde outrora o Mafarico se escondia do Noddy quando os meus netos acreditavam que eles estavam vivos.
Agora já não vêm aqui, estão adolescentes e os sonhos são outros. Os trinados não cessam, são cada vez mais sonoros.
A beleza das plantas, o cheiro do húmus, do musgo e da água parada enchem-me de uma paz que só na igreja sentia. Aqui respiro melhor, apesar da proximidade da avenida, dos carros e das gentes.

Amigos? Não preciso. Basto-me a mim própria. Sempre. Desde que aos 14 anos me sentia mais feliz num retiro da JECF do que num campo de férias para jovens. Sempre fui contemplativa, mas a vida trocou-me as voltas e houve anos em que trabalhei mais do que muitas outras mulheres que conheço. Valeu a pena, sim, tudo vale a pena diz o poeta.







Agora posso gostar de gostar de mim, parafraseando HSC, cujo livro li ontem no Kindle.

Encontrei o esconderijo ideal. Away from it all, lá diz o Thomas Hardy.

E relembro a letra duma canção que adoro e que espelha o que me vai na alma.


"I Married Myself"
I married myself
I'm very happy together
I married myself
I'm very happy together

I married myself
I'm very happy together
Long, long walks on the beach, lovely times
I married myself, I'm very happy together
Candlelight dinners home, lovely times

This time it's gonna last, this time it's gonna last
Forever, forever, forever

I married myself
I'm very happy together
I married myself
I'm very happy together

This time it's gonna last, this time it's gonna last
Forever, forever, forever
This time it's gonna last, this time it's gonna last
Forever, forever, forever

I married myself
I'm very happy together
Long, long walks on the beach, lovely times
I married myself, I'm very happy together
Candlelight dinners home, lovely times

This time it's gonna last, this time it's gonna last
Forever, forever, forever
This time it's gonna last, this time it's gonna last
Forever, forever, forever

Sparks









quarta-feira, 10 de abril de 2019

No Éden




Oiço os pássaros a chilrear no botânico. Uma brisa agita as hastes destes arbustos, cujos nomes desconheço. O sol é quente e traz nos uma luz imensa, branca, luminosa e verdadeira.


Estas são as tardes por que anseio, verdes e prateadas, cheias de promessas. 
Este é o local mais sagrado da minha vida, o meu santuário, onde só há beleza e renovação todos os anos. 
Aqui sei que estou no Éden. 
No paraíso, o único que conheço e em que me reconheço. 
Não há vida para além da natureza, não há paz sem ela... 






Continuo a escrever do meu oásis. 
Descobri uma passagem secreta para aquele cantinho do charco, que me faz lembrar tanto a Sintra da minha adolescência. 
Tudo aqui é lindo, cheira a musgo, a pedra granítica, a água limpida, ouvem-se os pássaros impávidos perante o ruído impiedoso da VCI. 


Uma fonte gorgoleja...ou é da minha imaginação?

Os duendes de Sophia saltitam de pedra em pedra, por entre o musgo e os líquenes, entoando cantigas próprias das fadas. 


Esqueço tudo por segundos. 

A vida parou. Os dramas cessaram. As pedras falam mais alto, as plantas envolvem-me e adormeço devagarinho, sem dor, sem pena, sem saudade...

__________________

Vêm-me à mente as palavras singelas duma adolescente em cativeiro.

Ela sabia...o valor da liberdade e da vida cá fora.

Sai, vai para o campo, aproveita o sol e tudo o que a natureza tem para oferecer. Sai e tenta recapturar a felicidade que há dentro de ti; pensa na beleza que há em ti e em tudo ao teu redor, e sê feliz.
A beleza continua a existir mesmo no infortúnio. Se a procurares, descobrirás cada vez mais felicidade, e recuperarás o equilíbrio. Uma pessoa feliz tornará as outras felizes; uma pessoa com coragem e fé nunca morrerá na desgraça.
Anne Frank

terça-feira, 2 de abril de 2019

Sophia vem com a Primavera



Este ano quase que nem dava por ela, tal o calor já quase de verão. Mas hoje o ventinho típico desta estação fez-me relembrar tardes lisboetas em que nenhum casaco chegava para atenuar o friozinho que sentia.

O Porto tem muito menos vento que a capital, graças a Deus. É raro estar nortada, a não ser à beira-mar. Aqui na minha zona, as árvores dançam com a brisa, mas não se agitam como os choupos do jardim da minha casa de infância, cujo restolhar era um regalo para os ouvidos ao fim da tarde. Só no jardim se estava bem, abrigado do vento primaveril.

O jardim Botânico e Rua António Cardoso fazem as minhas delícias na Primavera. São mesmo um hino à natureza, com os seus cambiantes de verdes e flores matizadas em todos os tons que a paleta do pintor pode criar.

Passo o tempo a passear por aqui, dado que andar muito não me é permitido. Hoje andei 2km e isso já me obriga a um esforço grande.

Numa semana os rodondendros encheram-se de flores e o botânico parece decorado para um casamento. Muitas outras flores salpicam os verdes junto aos buxos de que falava Sophia.

Ela, aliás, falou tanto deste jardim, que, nesse tempo, tinha uma área dez vezes superior à que tem hoje e chegava ao rio. É uma dor de alma pensar nas espécies arbóreas que se perderam, nos campos e hortas, tudo dizimado para construir a malfadada VCI que ainda hoje aterroriza o mais hábil condutor. No fundo do jardim, já não há pássaros, só se ouvem os carros e camiões que percorrem essa via. Criminoso.

Encontrei um site onde estão registados inúmeros textos de Sofia sobre a Casa Andresen e o jardim e transcrevi-os no meu diário, juntando-lhes fotos dos mesmos. Ficam para memória futura. Este ano é o centenário do nascimento da poeta, não há dia em que me não lembre dela, não porque admire loucamente a sua poesia, mas porque ela fala dos sítios que eu gosto e imagina histórias que eu própria gostaria de ter escrito quando era criança.

Hoje fico por aqui. Mas voltarei a Sophia, como volto sempre ao Botânico, o seu jardim.

É este o site em questão:

www.scielo.mec.pt


                        O JARDIM E A CASA





Não se perdeu nenhuma coisa em mim.

Continuam as noites e os poentes

Que escorreram na casa e no jardim,

Continuam as vozes diferentes

Que intactas no meu ser estão suspensas.
Trago o terror e trago a claridade,
E através de todas as presenças
Caminho para a única unidade. 



Sophia de Mello Breyner Andresen | "Poesia", 1944

Entrava-se pela quinta, pelo lado dos campos, por um portão de ferro que, depois de o passarmos, ao fechar-se batia pesadamente. Em frente surgia a casa, enorme, desmedida, com altas janelas, largas portas e ampla escadaria de granito, abrindo em leque. Na parte de trás, corria uma longa varanda debruçada sobre os roseirais do poente. (...) Tudo na casa era desmedidamente grande desde os quartos de dormir onde as crianças andavam de bicicleta até ao enorme átrio para o qual davam todas as salas e no qual, como Hans dizia, se poderia armar o esqueleto da baleia
que há anos repousava, empacotado em numerosos volumes, nas caves da Faculdade de Ciências por não haver lugar onde coubesse armado. (...)