segunda-feira, 13 de março de 2017

Diálogo metafísico



Não acredito na vida após a morte. Já há muito.



Quando conheci o meu namorado há 51 anos, discutíamos por carta toda as questões metafísicas que nos preocupavam. Ele era o oposto de mim, embora durante um longo período tenha praticado como eu.

Depois perdemos ambos a Fé - já nem sei quando -  e não casámos pela Igreja para desgosto do meu Pai. que nem queria que fizéssemos copo d'água.

Baptizámos os filhos e eles tiveram o ensino tradicional de catequese. Hoje só um deles pratica.

Admiro aqueles que "sabem" já que vão encontrar os seus entes queridos falecidos num Paraíso qualquer.  Deviam ficar felizes por morrer... :)

Infelizmente, eu não consigo "ver" ninguém da minha família, a não ser nas fotografias que tenho em casa ou na minha mente. Penso muito em todas as pessoas que me morreram, penso nelas quase quotidianamente, estão presentes no que faço, no que digo, no que decido fazer.

Vivo com o passado muito mais do que com o presente ou o futuro.

Neste momento nem ouso pensar no futuro, depois de o meu marido e melhor Amigo me ter morrido assim em sete meses.

Só acredito no dia a dia, vivo para o dia a dia, procuro ser digna dos valores que ambos incutimos nos nossos filhos e não defraudar ninguém. Mas perdi o meu gosto pela vida e não sei se conseguirei recuperá-lo. Aliás já aos 19 anos eu escrevia ao meu namorado que o meu prazer de viver provinha de o ter encontrado e de o amar infinitamente. Pode parecer dramatismo, mas é a pura verdade.

No meio disto tudo sinto a presença dele em mim, sinto-a mais palpavelmente do que quando ele vivia aqui a dois passos e não nos víamos quase.
Sinto-o tão vivo que às vezes me parece que estou a falar com ele.

Isto já me acontecia quando nos namorávamos à distância e não havia telefones baratos, nem skypes, nem mails, nem nada de nada. Por vezes ficávamos mais de dois meses sem nos vermos...mas escrevíamo-nos todos os dias non-stop.






 Tenho lido as cartas dele todas as noites e deito-me pelas 3 como se tivéssemos estado juntos aqui na minha sala,.
Ontem li umas dez cartas minhas e outras tantas dele escritas 1966, logo após o nosso primeiro encontro.  São um bálsamo para a minha psique, é melhor do que ir ao psicólogo ou falar com os filhos. Choro copiosamente, mas alivio a tensão. Faço-o conscientemente, não estou a entrar em depressão, encaro isto como uma catarse, preciso mesmo de conforto num passado que foi ainda mais belo do que eu imaginava.


Queria ter coragem de copiar algumas passagens para uma pen e guardar, pois há nelas pedacinhos de ouro.
Os netos deviam ler estas coisas mais tarde para saber donde vêm, quais os valores por que se regiam os seus avós e conhecer a riqueza espiritual que os unia.



Sinto-me mais leve depois dum passeio de uma hora no Botãnico...está sol... e viver é preciso.
Não acredito na vida no Alem, mas aprecio a Beleza do Aquém.

16 comentários:

  1. Virgínia, : ), acompanho o seu blog, há anos, este post é belíssimo, mostra que o amor aconchega sempre, em qualquer circunstância, que bom ter um assim tão bonito na sua vida. Um beijinho, de coragem e minha admiração por si!

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  2. É mesmo. Uma sorte, como diz o meu filho. Nem todos se podem gabar de ter vivido um amor assim. Não sei quem é, mas peço-lhe que escreva sempre, fazem-me falta comentários assim, positivos e encorajadores. Felicidades!

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  3. : ), obrigada, assim farei. Não nos conhecemos, comecei por seguir o blog do seu irmão, por ser o pediatra dos meus filhos, depois cheguei ao seu, que visito que regularidade, de forma recatada, para não incomodar, por não ser ninguém do seu círculo de amizades. Gosto de famílias, de histórias de amor, de música e fotografia, os meus filhos são minha prioridade, aspectos da vida que encontro reciprocidade neste seu espaço, vivo é verdadeiro, raro nos tempos que correm. Vivo em Lisboa, estou a seu dispor para o que precisar. ��

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  4. Muito prazer em conhecê-la. Tenho muita pena que o meu irmão tenha fechado o blogue dele, lia-o sempre e respondia. Mas ele tem muito que fazer...
    Não me interesso por política aqui, só quero beleza, arte , fotografia, cinema e coisas nossas. Neste momento estou a atravessar uma fase difícil, mas espero animar-me daqui a uns meses.
    Venha sempre. Bjo

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  5. Eu embora sendo católica não sei bem o que se entende por vida após a morte, confesso. Mas o que acredito é que o espírito daqueles que já nos deixaram, "pairam"em alguma dimensão, e nos protegem. Isso sim, tenho a certeza é sinto-o...
    Bjinhos Virgínia e continue a fazer aquilo que tão bem lhe faz...Passeios à beira-mar e no Botânico, tirar fotos tão belas, a família, a pintura, a música e a leitura ...

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    1. Ainda hoje pensei em ti. Não sei bem a que propósito, pois tenho estado parte do dia a ler cartas...
      O meu neto foi lanchar comigo e depois esteve aqui a fazer TPCs no computador que eu lhe ofereci nos anos. Coitado as voltas com o PP e eu sem saber ajudá-lo. Obrigada pelo apoio, tenho andado muito arredia - ainda mais que o habitual - vejo gente, mas não converso muito. O meu marido dizia que eu era muito calada e queria que eu falasse mais quando estávamos juntos. Se fosse agora, ficava ainda mais triste...

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  6. Querida Virgínia, o que escreve e nos faz ler tem muito de belo , apesar de o fazer debaixo de saudade e tristeza .
    Nas minhas profissões os utentes e clientes desabafavam muito comigo . Um dia , uma senhora que me pareceu intelectualmente bem formada e era descrente de religiões contou-me que depois da morte do marido , todos os dias sentia-o levantar e deitar na cama como se fosse real . Escutei e não comentei . E até pensei que era bom para a senhora porque assim lhe dava algum conforto . Claro que isto tem as suas explicações...
    Voltei a ver as fotos que já lhe tinha dito que eram as minhas preferidas . São lindas mesmo .
    Quanto à fé , que não sinto, mas quem me dera a mim sentir : ontem estive a ver um programa sobre cosmos, na RTP2. Ás tantas discutia-se a nossa presença no Planeta Terra e a nossa insignificância perante um Universo sem fim . Estrelas são um número quase incontável . Aí parei e pensei com os meus botões . Será mesmo verdade que depois de morrermos nos transformamos em estrelas e este será o paraíso celestial ? Vou começar acreditar nisto (risos )
    Para terminar : ainda bem que encontra uma forma inteligente de fazer o seu luto . Acho maravilhoso . Mas pode ter a certeza que vai passar . Tudo passa.
    Beijo.

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    1. Gosto muito de séries sobre cosmos e galáxias. Fazem-me ter a noção de como é absurdo acharmos que o Homem é importante em si mesmo e que vai ter um futuro no Além porque Deus nos ama mais do que aos outros seres todos que criou. Pareço um pouco sarcástica, mas a verdade é que acho uma cobardia fugir às questões prementes que se pôem a quem acredita ou quer respostas. O meu marido era crente até certa altura, mas tinha imensas dúvidas e a existênca do Mal era uma delas. Não compreendia como é que podiam nascer crianças defeituosas, deficientes, sem cérebro e outras coisas mais. A partir de certa altura convenceu-me mesmo e eu própria tb comecei a duvidar. Para além disso era muito anti-clerical, como eu sou também. Sempre detestei a mentalidade freirática do meu liceu, embora eu fosse Presidente da JECF. Gostava de me integrar numa comunidade. Agora não. Detesto cliques, grupinhos, associações de caridade, etc. Tento buscar na Natureza o que é Belo, sempre o fiz e sempre fugi do Mal.
      Bjinho amigo

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  7. As fotografias estão lindíssimas
    Eu acredito e não acredito - mas preciso de acreditar e fico melhor quando consigo ter a esperança que haja um depois.
    Há anos quando passei por uma perda andei à procura de respostas em livros - que não se encontram lá. Mas nas coincidências e no sentir às vezes a presença quis ver essa possibilidade.

    um beijinho

    Gábi

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  8. Nós nunca deixamos de procurar, mas penso que é mais fácil encontrar noutras religiões esotéricas do que no Catolicismo que quanto a mim é eivado de muita hipocrisia a par de boas acções. Estudei História do Cristianismo na Faculdade e punham-se muitas dúvidas quanto à existência de Cristo - tal qual a Igreja O descreve. Mas aqui não é o espaço para discutir assuntos tão elevados :) Bjinho

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  9. Que ideia Virgínia, meter cartas de amor numa "pen"!
    As cartas de amor precisam de ser físicas, em folhas de papel amarelecidas e de tinta desbotada!!
    A virtualidade a que as reduziria/reduzirá tirar-lhe-ão todo o elan que as caracteriza, parecendo literatura escrita por alguém imaginativo mas que nunca escreveu cartas de amor!
    Meta-as na dita caixa de sapatos, ate-a mesmo que não seja com uma fitar cor de rosa ou azul e escreva num dos cantos: "para os meus netos a história do avô e da avó" porque,mais física do que uma "pen" que se baralhará entre tantas outras, lhes chegará certamente ás mão!

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  10. Mas que ideia, Dalma, dar a ler aos netos cartas ilegíveis ( até para mim, às vezes) sem tirar nem um bocadinho mais íntimo!! Muitas destas cartas são lindíssimas, mas nem todas são para adolescentes lerem...

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  11. Virgínia, não percebeu bem ou eu não me fiz entender, não era para as por em mãos de adolescentes, mas para lhas legar um dia, muitos, muitos anos mais tarde, como provavelmente lhe vai legar os seus quadros e não só. As minhas que tb são muitas e que abrangem o tempo da Guiné e da Irlanda do Norte (que na altura era quase tão perigosa como a Guiné) hei-de deixá-las à minha neta R, que hoje tem 17 anos! Se durar até à idade que hoje tem a minha mãe ainda faltam 20 anos...

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    1. Duvido que as leiam no original. A letra do Manel era linda mas minúscula, custa imenso a perceber, ele escrevia às vezes em papel de sebenta, papel de todo ogénero, mas não papel de carta como eu! Não tinha dinheiro para blocos, nem selos. Escrevia com tinta permanente e só à lupa consigo decifrar algumas frases. Ele próprio escreveu poesia no computador quando começou a usá-lo para os processos, deixou de escrever em papeluchos como fazia dantes.

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  12. Pois esses papeluchos, quiçá guardanapos de papel, é que têm valor. Cartas de amor escritas no computador parecem algo de não normal... Certamente os jovens de agora nem as escrevem, mandam sms ou mails, o que não se compadece com o título de "carta"!

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  13. Para acabar, resolvi fotografar partes das cartas do Manel que mais me impressionaram. Tenho-as aqui em fotografia e perfeitamente legíveis.

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