domingo, 26 de março de 2017

Pedaços de vida a dois


Durante anos - de 1965 a 1971 - escrevemo-nos quase todos os dias.

Desde o momento em que nos encontrámos naquele ferry de Amsterdam - o momento alto da nossa vida. Foi o começo, quando a magia , o destino ou a mão de Deus fez com que as nossas mãos se cruzassem e apoiassem uma na outra.

Discutimos longamente quem teria sido o primeiro a fazê-lo...nunca saberemos...:)

Ao ler as nossas cartas, parece-me estar a ver em flashback o filme de novo.
Impressionante.
Nunca imaginei que aos 20 anos nos fosse possível exprimir sentimentos e opiniões dum modo tão claro e puro.

Coloquei aqui retalhos de cartas do Manel, quatro entre centenas que me impressionaram. Também tenho muitas minhas igualmente marcantes, mas a seu tempo virão.






As cartas eram escritas em folhinhas de papel de sebenta ou de cadernos, nunca tínhamos dinheiro para blocos ou envelopes sofisticados, escrevíamo-nos no café, na praia, no quarto,  o bar da faculdade, onde calhasse...

O Amor É uma Companhia
O amor é uma companhia.
Já não sei andar só pelos caminhos,
Porque já não posso andar só.
Um pensamento visível faz-me andar mais depressa
E ver menos, e ao mesmo tempo gostar bem de ir vendo tudo.
Mesmo a ausência dela é uma coisa que está comigo.
E eu gosto tanto dela que não sei como a desejar.

Se a não vejo, imagino-a e sou forte como as árvores altas.
Mas se a vejo tremo, não sei o que é feito do que sinto na ausência dela.
Todo eu sou qualquer força que me abandona.
Toda a realidade olha para mim como um girassol com a cara dela no meio.

Alberto Caeiro

6 comentários:

  1. A sua correspondência dava uma bela história cinematográfica ...Bem contada dava sim ! Ainda para mais com pedaços de uma cidade que gostava muito de conhecer , Amesterdão ! O meu namoro também começou num barco , no mar das ilhas açorianas, do grupo central...
    Gostei do poema, principalmente da última parte...

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  2. Se dava...é um verdadeiro tratado sobre a ausência e a saudade...
    Aguentámos muito, penso que já não existem amores assim, capazes de suplantar tantos obstáculos. É curioso verificar que nunca o elo se desligou totalmente , mesmo quando vivemos a 500km um do outro. Reeencontrámo-nos por acaso em Lisboa, sem saber que estávamos ambos lá perto...um milagre!!

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  3. Não conhecia o poema, gostei muito, obrigada pela oportunidade de o ler aqui.
    um beijinho e bom final de Domingo
    Gábi

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  4. Também não conhecia o poema, Virgínia!
    Lindo, sobretudo lido devagar, absorvendo cada palavra.
    Por tudo o que agora tenho sabido do vosso amor, retrata-o bem. Uma história de amor única.
    Bjs

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    1. E que custa muito a ultrapassar.

      Estes meses de doença aproximaram-nos tanto que eu esqueci tudo o que nos separava, só pensava na sua saúde, na recuperação e bem estar. Nunca acreditei que ele fosse partir assim tão depressa, apesar dos médicos e filhos o preverem. Ainda acordo desconsolada, sem vontade de fazer nada.
      Bjinho e obrigada!

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