quarta-feira, 19 de julho de 2017

O eucalipto


Muito se fala dos eucaliptos em Portugal e do seu efeito nocivo para a ecologia florestal, a contribuição para os incêndios selvagens, a morte de outras espécies mais ricas, etc. etc.

Sempre vi o eucalipto como  uma árvore linda.
E útil. Ainda hoje uso bagas de eucalipto para pôr nos armários e chupo drops para a tosse.



Na quinta dos meus pais em Albarraque havia um eucaliptal - era assim que se chamava aquela área verde e cheirosa, onde íamos por vezes jogar as escondidinhas ou passear com o meu Avô que nos contava histórias inventadas por ele.

A minha Avó costumava pôr bagas de eucalipto na braseira que havia em casa dela e o aroma espalhava-se pela casa toda enchendo-nos os pulmões. Este cheiro ainda hoje me comove e faz pensar no calor da casa dos meus avós.

O meu Pai, que adorava árvores de grande porte, mandou plantar um eucalipto no jardim do Restelo logo que para lá fomos. Era tão pequenino que nós saltávamo-lo em altura dum lado para o outro.
Mas depressa cresceu e quando eu tinha 19-20 anos, via a sua copa da minha cama, onde me sentava muitas vezes a escrever ao meu namorado.  Nas cartas que li recentemente, há inúmeras descrições de poentes e dos ramos com folhas do eucalipto a sussurrar ao vento ou descrição de silhuetas, escurecendo à medida que a noite se aproximava. O M. adorava esses descritivos românticos e pueris.

Lembro-me que foi com desgosto que me despedi desse eucalipto quando os meus Pais venderam a casa. O M. perguntava-me muitas vezes como é que eu tinha sobrevivido sem aquela árvore no meu horizonte (!). Eu tinha mais em que pensar na altura e os sonhos já eram.

Mais tarde cortaram a árvore pela raiz e hoje já não existe.

Quando vivi em Esposende, em 1977, fui várias vezes ao Monte de S. Lourenço, que fica a uns 6 kms da cidade. O meu marido gostava muito da capelinha, donde se avistava a Costa Verde até perder de vista nos dias de boa visibilidade. Numa das vezes em que lá fui, resolvi arrancar um eucalipto bébé da terra e enterrei-o no jardinzito que rodeava a nossa casa de magistrados. Ele pegou bem e estava lindo quando fomos enviados para Chaves, a comarca onde o meu marido tinha sido colocado. Nunca mais o vi.

Só voltei a ter ligações com eucaliptos, quando vim viver aqui para o Campo Alegre e fui ao Botãnico. Encontrei aqui um eucalipto já centenário, altíssimo deixando dezenas de bagas pelo chão onde passamos. O cheiro enebria-me. Por vezes sento-me num tronco só a respirar fundo.

rua do Campo Alegre

Há tempos descobri um outro eucalipto ainda no Jardim Botânico,  junto às residências de estudantes, que podem ver na fotografia que tirei hoje. Parece o "meu" eucalipto do Restelo e também fica lindo ao pôr do sol, filigrana negra no céu rosado. Vejo-o daqui da minha varanda quase tão bem como via o meu da minha cama de adolescente.

Há coincidências interessantes. Parecem obras do destino.

E aqui fica um poema maravilhoso de Eugénio de Andrade, que gostaria agora de ler ao meu M., ele que fazia versos e os deixou em casa por todo o lado.

Nocturno a Duas Vozes


— Que posso eu fazer 

senão beber-te os olhos 
enquanto a noite 
não cessa de crescer? 

— Repara como sou jovem, 
como nada em mim 
encontrou o seu cume, 
como nenhuma ave 
poisou ainda nos meus ramos, 
e amo-te, 
bosque, mar, constelação. 

— Não tenhas medo: 
nenhum rumor, 
mesmo o do teu coração, 
anunciará a morte; 
a morte 
vem sempre doutra maneira, 
alheia 
aos longos, brancos 
corredores da madrugada. 

— Não é de medo 
que tremem os meus lábios, 
tremo por um fruto de lume 
e solidão 
que é todo o oiro dos teus olhos, 
toda a luz 
que meus dedos têm 
para colher na noite. 

— Vê como brilha 
a estrela da manhã, 
como a terra 
é só um cheiro de eucaliptos, 
e um rumor de água 
vem no vento. 

— Tu és a água, a terra, o vento, 
a estrela da manhã és tu ainda. 

— Cala-te, as palavras doem. 
Como dói um barco, 
como dói um pássaro 
ferido 
no limiar do dia. 
Amo-te. 
Amo-te para que subas comigo 
à mais alta torre, 
para que tudo em ti 
seja verão, dunas e mar. 


Eugénio de Andrade, in 'Poesia e Prosa [1940-1980]' 


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