quarta-feira, 20 de março de 2013

odores de infância

Na revista Intelligent Life, cujo link tenho aqui do lado direito, li um artigo saboroso sobre os odores que povoam a nossa infância e que, segundo o autor, Robin Robertson, poeta escocês, nos marcam para sempre. Ele recorda os cheiros da lota e da maresia no porto, da chuva e das lojas ou do barbeiro no seu caminho para a escola.
Fica aqui um parágrafo delicioso desse belo artigo, que desafia os leitores a escreverem outro, em que recordem eles próprios os cheiros das suas infância. Há quem fale de bacon como sendo divinal, outros preferem as rosas silvestres, o pão acabado de cozer, a plataforma duma estação ou o feno acabado de ceifar...

Everything we are as adults is formed in our first ten years, and mine were spent haunting the shore, or the streets, of Aberdeen: turning over scallop shells or the bodies of birds, or testing the washed-up crabs and jellyfish for movement: some kind of peril. I would walk to school past the abattoir with its ferrous whiff of spilt blood, the dull thuck of cleaver into flesh, the great headless bodies turning on their hooks; past the barber’s oils, astringents and lotions, his whetted razors; past the joinery with that lovely sweet scent of wood-shavings and—best of all—past Mitchell and Muill’s, the baker, their steamed-up window stacked full of freshly baked rowies and hot mutton pies.

Comecei a pensar quais seriam os meus cheiros, aqueles que me conduzem aos dias felizes e sem preocupações.

Imediatamente me vem à memória o cheiro da relva acabada de cortar, onde nos deitávamos a olhar para o céu. Ainda hoje me lembro do prazer que era estar assim sem fazer nada, só a gozar dos odores naturais.
Também me lembro dos cheiros da cozinha, as batatas fritas e a massa guisada de casa da minha Avó. Ela usava uma água de colónia, que comprava em França e que eu adorava, embora nunca fosse de usar perfumes.
Lembro-me do cheiro das papoilas que abundavam nas terras em frente ao nosso jardim, das espigas e até das malditas urtigas que nos deixavam as pernas cheias de pontinhos vermelhos. Na quinta, em Albarraque, onde passávamos férias, os cheiros eram dos pinhões que sacávamos e partíamos com pedras - ficavam quase esmigalhados, mas o cheiro era divinal. Das castanhas. E as maravilhosas bagas de eucalipto que apanhávamos para meter nas gavetas e afastar as traças...
Nunca gostei foi do cheiro dos animais, galinhas e quejandos, nem sequer dos coelhos e, então o dos porcos davam-me a volta à tripa. Foi aí que descobri que gosto da natureza vegetal, mais do que da animal...hoje ainda sou avessa a entrar em talhos, detesto cheiro da carne crua...

Há cheiros que nos fazem retornar a lugares....a chuva e a terra húmida levam-me inevitavelmente ao Yorkshire, onde vivi belos momentos perto da natureza...o cheiro a livros e a papel relembram-me o escritório do meu Avô, cheiro que se misturava com sândalo e madeiras orientais dos objectos que abundavam no meio dos livros naquele mundo mágico, onde nos perdíamos a ouvir as suas histórias.


Mas o cheiro que mais me emociona e até excita é o cheiro da maresia à beira-mar...só me recorda algo de bom, liberdade, desafio...fico inebriada, acho que mesmo no inverno, me apetece entrar pela água a dentro....como se o cheiro me aconchegasse, defendesse do frio e me impedisse de me afogar....

4 comentários:

  1. Tenho três cheiros de infância que nunca os esqueci e que, em boa verdade, nunca mais os senti com aquela intensidade: o cheiro da maresia em horas de maré baixa na Luz (donde surgiam estrelas rubras, algas e camarões); o cheiro intenso dos pinhais lá da quinta, com pinhas a cair dos céus aleatoriamente e o cheiro da terra molhada depois duma forte trombada de água, no jardim botânico do Rio de Janeiro. Deve haver mais, mas estes são recorrentes na minha memória.

    Bjos

    ResponderEliminar
  2. Ainda bem que alguém me responde a este post. Teria gostado imenso de saber quais os odores de infância dos meus leitores!! Mas até agora ninguém respondeu a um post que considero dos mais interessantes que escrevi. Terá sido a prosa inglesa que os afastou?

    Na Luz, não há muitos cheiros de que me lembre...talvez das sardinhas assadas dos vizinhos ...mas o mar lá quase não cheira, como aqui. Ainda ontem estava bravíssimo, quando fomos jantar à Foz e cheirava a maresia, mas estava tanto frio que só lá aguentámos uns minutos. Hoje chove a cântaros, está um daqueles dias que apetece enrolar-nos nos edredons e não fazer nada.

    ResponderEliminar
  3. Não quero que lhe falte nada, Virgínia!...
    Quer saber dos meus odores de infãncia? Eu conto:
    Como a Virgínia, e como o Paulo, eu destacaria o cheiro a maresia e o cheiro a terra molhada como dois dos mais marcantes. Mas esses não são apenas da infância, são da vida toda!
    Assim, de repente, há dois odores que me levam imediatamente de volta à infância um pouco longínqua: o cheiro a cera, que vinha das enormes tábuas de madeira do chão da casa da Conde Valbom e o cheiro do Creme Nívea da lata azul, que ainda hoje associo ao sol e ao mar.
    E depois, também talvez o cheiro de um pó de talco inglês cujo nome não recordo, mas era ao que cheiravam os armários da casa dos meus avós na Baixa.
    E o cheiro das frésias nos meus anos, a anunciar a chegada da Primavera. E tantos outros...
    No fundo a nossa vida também é feita de perfumes, de cores e de sons que,como diria Baudelaire "chantent les transports de l'esprit et des sens" :)

    Um grande beijinho
    Isabel

    ResponderEliminar
  4. O seu post foi-me relembrar desses cheiros maravilhosos do antigamente: a cera do soalho da nossa casa do Restelo, todo em madeira a sério, lindíssimo. As enceradeiras trabalhavam a toda a hora e nós não podíamos entrar, enquanto não acabassem a limpeza.....:)

    Queria lembrar-me do cheiro do pó de talco, acho que era lauroderme o que nós usávamos. E VICK quando estávamos doentes, ainda hoje me faz vibrar o cheiro da cânfora!

    Gosto dessa frase do Baudelaire, é muito expressiva.

    Obrigada!

    ResponderEliminar