quinta-feira, 10 de agosto de 2017

Floating II

O M. dizia que não podíamos ficar a "boiar" na vida.

Tínhamos de nadar contra a maré ou contra a corrente para poder chegar a terra firme.
Ria-se das minhas ilusões e idealismos e censurava o que ele considerava a minha "passividade".

Apesar de afirmar e escrever muitas vezes que eu lhe transmitia uma calma e paz que ele não encontrava em mais ninguém.



Tudo isto aconteceu quando nos namorávamos. Tentei, against all odds, provar-lhe que estava errado. Que não nascera para estar sentada, que era activa q.b., mas que precisava de momentos anti-stress, se não ia-me abaixo, não aguentava aquele ritmo infernal de Lisboa, casa enorme com família grande, viagens de autocarro de hora e meia para a faculdade, Instituto Alemão, catequese, explicações que dava a alunos fracos, etc. etc.
Estudando em Coimbra, ele não tinha a noção do que era estudar na capital. Mas quando vinha a Lisboa ficava derreado em dois dias :) .


Nos últimos anos da Faculdade, enquanto fazia a tese de licenciatura e as Pedagógicas - cinco cadeiras obrigatórias para quem queria leccionar - trabalhei num escritório das motos Honda e num lar de 3ª idade para expatriados. Mesmo assim consegui uma nota boa na tese, que defendi em 1971, e que. uns anos depois, foi abolida pelo governo socialista pós 25 de Abril. Entrei logo no mesmo ano em que a defendi para o estágio no melhor liceu de Lisboa - o Pedro Nunes - e no ano seguinte como professora agregada para o MªAmália, outro liceu excelente onde tinha andado. Não se pode dizer que me tivesse encostado à espera que o sucesso me caísse em cima. Tinha lutado muito para chegar ali. Sem ajudas nenhumas, pois a minha família não era propriamente encorajadora, pelo contrário. Tive de arcar com as despesas de livros e da tese propriamente dita do meu bolso. Não fui uma filha "grata" como alguns dos meus irmãos mais novos.

Anos depois, o M. reconheceu todo o meu esforço e capacidade de vencer na vida, testada a toda a hora, não só como Mãe, mas também como profissional. Censurava, então, veladamente a minha obsessão de dar o máximo, de pôr toda a energia ao serviço dos outros e de mim própria. Achava que eu "fazia demais".  Como ele o fizera sempre em Coimbra e continuava a fazer noutro domínio completamente diferente, a magistratura.

No Porto, comecei a trabalhar para a Editora aos 36 anos e colaborei em manuais escolares de Inglês do 5º ao 12º anos durante 30 anos, até 2013, ano em que dei a minha autoria por finalizada.  Para alem disso, fui professora efectiva da Escola Carolina Michaelis e ainda dei aulas de Inglês na Escola Profissional de Música, que fechou cinco anos depois de eu sair e no ISAI.

Nunca estive parada, adorava dar aulas, preparava-as à minha maneira com muita improvisação, com uso das tecnologias do tempo, criatividade, experimentação constante e até risco. Orientei mais de 50 professores estagiários, que se lembrarão de mim, espero eu, ao dar as suas aulas.

Não tenho vaidade nisso. Fui sempre assim. Muito teimosa e persistente no que me interessava.

Infelizmente, acabei por ter de pedir reforma antecipada por razões familiares ( doença da minha filha) e deixei as aulas após 37 anos de ensino, continuando a trabalhar em projectos escolares.

Nunca "boiei" na vida. Também nunca me afundei, creio eu.

Mas agora, desde que o M. faleceu,  só me apetece boiar,  recordar o passado, deitar-me a olhar para as estrelas, contemplar da janela as árvores a agitar-se com a brisa, ver as ondas desdobrando-se em rolos de espuma na Foz e ouvir música minimalista.

Deixo-vos aqui um vídeo espectacular. A música do compositor islandês Olafur Arnald é um extracto do soundtrack da série Broadchurch da BBC, uma das séries mais brilhantes que vi ultimamente.

Só assim me consigo aguentar ( mal) à tona.





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