Tenho andado em picardias com a autora do blogue
Isto e Aquilo, Isabel Mouzinho, por causa dum artigo de
Vasco Graça Moura sobre a leitura dos clássicos nas Escolas e a necessidade imperiosa de manter a sua obrigatoriedade para que os alunos aprendam a ler, a falar e a escrever correctamente.
Embora tenha sido uma leitora compulsiva até aos meus 17 anos - não havia dia em que não lesse romance, poesia, revistas ou jornais em português, francês e inglês ( para mim línguas completamente acessíveis pois andei num colégio inglês até aos 10 anos e tivémos uma rapariga suiça a viver connosco durante dois anos, que só falava francês), não creio que se incentive a leitura forçando os alunos a ler clássicos.
Fui uma privilegiada, sem dúvida, mas os meus pais preferiam gastar na nossa educação do que em grande luxos, aquilo a que chamo supérfluo, como roupa cara, produtos e cuidados de beleza, iguarias ou mesmo objectos que, hoje em dia, as pessoas "ricas" ou novas-ricas consideram indispensáveis. Na minha casa, porém, não faltavam livros.
Havia livros em tudo o que é quarto ou sala ( e até na casa de banho) e a minha Mãe queixava-se dos "molhos de couves" que encontrava abandonados em todos os cantos, depois de terem sido lidos e relidos por nós oito.
Colecção Azul, Livros dos Cinco, Berthe Bernage,
Virgínia de Castro e Almeida ( autora de
Céu Aberto e
Em pleno Azul), Clássicos para crianças e jovens, biografias da colecção de
Adolfo Simões Muller,
Pearl Buck, Somerset Maugham, Erico Veríssimo e Jorge Amado, Livres de Poche e Penguins, sem falar de todos os clássicos portugueses, que estavam encadernados no escritório do meu Pai
, João de Barros, Eças, Camilos e até os
Discursos de Salazar!!
Era um nunca acabar de obras, que tínhamos sempre à disposição. Não me lembro de
não ler.
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Aos 18 entrei para a FLUL e aí tive mesmo de o fazer por obrigatoriedade. Todas as cadeiras nos obrigavam a ler, até em alemão com apenas dois anos de aprendizagem dessa língua. Fiz cadeiras de literatura, lendo clássicos, medievais e modernos. Li treze peças de Shakespeare por um calhamaço em papel bíblico com letra minúscula que tinha comprado muito barato na Livraria Universitária e ainda o tenho anotado por mim, com remissões aos temas e personagens.
À quoi bon, diriam os franceses.
What for, os ingleses!!
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Pergunto-me para quê tanta exigência se, depois de fazer a tese de licenciatura sobre treze obras de Graham Greene e de acabar o curso com uma média alta, fui dar aulas a alunos de 12 a 17 anos que não conseguiam ler nenhuma obra literária em português ou em língua estrangeira, nem sequer perceber extractos de muitas delas?
Na Sertã, onde estive dois anos e ensinei Português, foi um castigo para lerem
Constantino Guardador de Vacas e de Sonhos no agora 7º ano ou
Esteiros de
Soeiro Pereira Gomes, em Chaves. Até fizémos uma peça para eles compreenderem alguma coisa do que estavam a ler. Será que valeu a pena? Os miúdos eram resineiros ou lavradores e só andavam na escola até ao agora 9º ano. Queriam era saber de mecânica ou de culinária para se safarem no futuro.
Também nunca compreendi como é que se aprende inglês lendo os clássicos.
Para aprender inglês bem, é necessário falar, falar, ouvir, ouvir, ler de tudo e sobretudo, escrever. Os modelos - textos - têm de ser em inglês global, comunicativo, moderno, contemporâneo, é uma língua em constante mutação e muito mais difícil do que parece porque é idiomático e improvisado, sem grande lógica ou regras. Para alem de ter um vocabulário riquíssimo.
Ninguém escreve como
Shakespeare, nem
Goethe. Isso é para intelectuais, que traduzem ou escrevem monografias sobre os mesmos, que ninguém lê. Não para jovens em idade escolar de todas as origens com necessidades pragmáticas, específicas e sobretudo comunicativas.
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Hoje comprei o último livro de
Miguel Esteves Cardoso e li umas páginas na Leitura. O Miguel não escreve bem, nem fala bem. Diz muitos "não sei quê" e faz gestos, sorri e usa meias palavras para responder. Pode-se ver isso bem na entrevista que deu na RTP recentemente.
Mas é um óptimo cronista e comunicador, um caso raro de simplicidade aliada a uma inteligência e sensatez enormes.
O seu livro vai fazer bem a muita gente e pode ser lido por qualquer um, o que para mim, é a máxima virtude.