segunda-feira, 9 de fevereiro de 2015

Palavras que gostaria de ter escrito


Envelhecer

Precisava de um livro para explicar o que me irrita neste país novo da crise e da miséria.
Crescentemente, quando vejo televisão (sobretudo os noticiários), este Portugal onde nasci e, mal ou bem, vivi setenta anos, me parece um sítio desconhecido e hostil, em que não posso continuar. Os velhos são assim e já Chateaubriand dizia: é muito duro envelhecer, mesmo se o mundo à nossa volta não muda ou muda pouco, mas muito mais duro é envelhecer num mundo que mudou. Precisava de um livro para explicar o que me irrita neste país novo da crise e da miséria e, como não tenho força e paciência para começar um livro, resolvi ir escrevendo sobre as coisas que me exasperam mais. Por exemplo:
1. A desvergonha com que a esquerda usa a desgraça dos portugueses como argumento político. Desemprego, impostos, salários ou, no dia-a-dia, urgências que não funcionam, o remédio para a hepatite C que não há, outro desconto ou proibição – tudo serve, não se percebe como, para demonstrar a enorme virtude do PS e a imensa maldade do governo. Nós bem fugimos desta ladainha. Só que ela nunca pára e não nos larga.
2. A multidão de salvadores da Pátria, que prometem o céu e que entretanto se juntam e separam, avançam e recuam, como se andassem num jogo de possessos sem sentido e sem fim. E que berram e se esgadanham por esses debates, despejando lugares-comuns com uma estranha importância e uma grande satisfação.    

3. A maneira como o jornalismo gira à volta do desastre, do crime e da pequena história de “interesse humano”, numa altura em que Portugal e a Europa se desfazem.
4. A obsessão incrível e paradoxal com restaurantes, que abrem às centenas (apesar do IVA) e que se pretendem sempre pioneiros de uma especial cozinha ou de uma extraordinária ideia; e que têm na cave vinhos sem igual. Quem lá vai? A classe média que se destruiu, os banqueiros que faliram, os corruptos mascarados que esperam a sua hora?
5. A obsessão geral com o espectáculo; com qualquer sítio onde se juntam milhares de bípedes, saltando e pulando e muitas vezes guinchando, para seu contentamento e nossa aflição. Os “festivais” da carne, da fruta, do queijo, do enchido, do mexilhão, do doce regional ou nacional, da primeira coisa que dê para armar a tenda e ganhar uns tostões.
6. A futilidade da conversa sobre a economia, como se por aqui ainda não se percebesse que a economia não é uma ciência, é um capítulo da política.
7. A inferioridade que revela o culto de Ronaldo – nome obrigatoriamente precedido por o “melhor do mundo” – e o de uma dúzia de personagens menores que se tornaram “os melhores” de qualquer coisa ínfima ou gratuita.
Como não ser pessimista?

4 comentários:

  1. Pois, é mesmo para ficar muito pensativa...Beijo, Virginia .

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  2. Muitas vezes desligo o telejornal por já não aguentar ver imagens de catástrofes, abusos, queixas de cidadãos, problemas dos hospitais, escolas, etc. Não aguento tanta desgraça. Então refiro ver um estádio cheio de gente que pagou um pipa de massa para assistir a uma porcaria de jpg.o. Esses ao menos vibram com qualquer coisa....
    Há muitas notas positivas no nosso país , mas parece que os media só gostam de lágrimas e suspiros...
    Bjo

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  3. Pois é. Eu já mandei às urtigas, os telejornais e não só.
    A minha TV só recepciona dois canais. RTP2 e MEZZO.

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  4. Faz bem....o Mezzo tb é um dos meus preferidos.

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