domingo, 21 de fevereiro de 2016

Viver no RU

Vai passar a ser quase impossível para nós portugueses, a não ser que tenhamos posses ou a certeza dum emprego duradoiro.
Nos anos 70, algumas amigas minhas foram para Londres a sonhar com o "British dream", que era viver como "au pair" em casa de ingleses ricos, muitos deles judeus,  tomar conta das crianças ou fazer limpezas e ajudar a família durante algumas horas do dia, frequentando um curso de inglês nas horas livres. Isso significava gozar de uma liberdade nova, proibida aos jovens portugueses no regime salazarista ainda que as portuguesas tivessem de engulir muitos sapos e nada fosse cor-de-rosa.

Uma das minhas irmãs teve uma experiência bastante má e acabou por ir trabalhar para o clube da RAF, onde ganhava um pouco mais que 3 libras por semana e ficava livre a partir das 15h. O clube, ultra posh, era situado em pleno Park Lane, em frente do Green Park. O quarto dela no sótão possibilitava a vista do parque , cheio de neve no inverno de 1970. Dormi lá algumas vezes num colchão surripiado. Era uma experiência totalmente nova.

Passei lá um mês e meio para que ela não estivesse sozinha no Natal e para poder investigar para a minha tese de licenciatura sobre Graham Greene, que concluí em 1971.
colagem que montei em 2011 na minha última estadia na cidade
Fiquei em casa duma amiga portuguesa que se tinha casado com um australiano e que reencontrei no Facebook, Maria Ferguson.
Todos os dias vinha para o centro em dois transportes, estudava durante seis horas na Biblioteca da Universidade em Russell Square e depois passeava pelas Charing Cross, Tottenham Court Road e Oxford Street. Fazia kms a pé e conhecia as lojas todas dessas ruas. Não tinha dinheiro nenhum, de modo que só via as montras, os discos, os posters e as roupas, mas nada comprava.
Às 15h encontrava-me com a minha irmã e íamos comer panquecas ao Old Kentucky. Essas panquecas sabiam-nos pela vida...e eram relativamente baratas, comparadas com o resto dos restaurantes, proibitivos para as nossas posses. Fomos a alguns concertos memoráveis no Albert Hall, onde ficávamos de pé nas galerias, pois eram os bilhetes mais baratos.

Para viver em Londres mais de 3 meses, era necessário adquirir um labour permit. Expirando este, teríamos de abandonar o país. Nunca quis lá ficar por muito tempo, não tinha coragem de viver sem a família e Londres só me seduzia durante pouco tempo.

É o que vai acontecer agora, quer vença a facção que deseja permanecer na UE ou não. Os cidadãos estrangeiros não terão acesso ao NHS nem à segurança social enquanto não descontarem para a mesma durante 4 anos. Sei por experiência que, sem isso, é muito difícil viver em Inglaterra.

Todos os outros países - 27- aceitaram por unanimidade as reclamações de David Cameron. O mesmo está convencido de que os cidadãos britânicos votarão YES à permanência, gozando "the best of both worlds" como ele chamou à situação. Sem dúvida.

Poder escolher o seu futuro só é permitido aos países poderosos da UE ou que não são, nem nunca foram, pro-euro.
A libra continuará forte e um sinal de independência duma nação que não se verga perante a Europa e as suas políticas anti-soberanias.

Não posso deixar de lembrar aqui a máxima de George Orwell , no seu famoso Animal Farm:

All animals are equal, but some animals are more equal than others





13 comentários:

  1. Só estive uma vez em Inglaterra, em 1973. Em Londres, também fazíamos a pé os percursos que referes e, para além dos restaurantes indianos, onde se comia por pouco dinheiro, também comíamos panquecas no Old Kentucky. Mas na época a vida em Inglaterra era muito barata.Vi lá umas jeans made in Portugal, precisamente iguais a umas que eu tinha comprado cá. Só que lá custavam menos...

    Curiosamente, tendo por base o que se está a passar no RU, estava a pensar escrever uma mensagem precisamente focando a desigualdade de comportamento dos vários países da UE face à mesma e vice-versa.
    Ab

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Fui muitas vezes a Londres desde 1969 a 1975. Era uma lufada de ar fresco e tudo em mim vibrava com a música, a cultura, a juventude, os hippies, a liberdade. Tinha amigos e podia viver em casas próprias, o que me ajudava a intergrar ainda mais. Depois de 1990, voltei lá já como turista, levando os meus filhos - ou alunos - a conhecer os cantos mais interessantes da metrópole. Depois de a minha filha ir estudar para Leeds, só voltei duas vezes a Londres. Leeds é mais cosy e tem vida cultural invejável. Já lá vi vários musicais, concertos, peças, mas o que mais gosto é da vida universitária, milhares de jovens que inundam as ruas, pubs, restaurantes e parques ...
      A Luisa quer voltar para lá no próximo ano para terminar o mestrado em Audiovisual Translation que interrompeu em 2012.
      Seja o que Deus quiser...

      Eliminar
  2. Virgínia, o RU há muito que é o El Dorado de muitos emigrantes da Ásia e Médio Oriente que beneficiavam do NHS e SS praticamente automaticamente. Bairros inteiros em Londres, como sabe. Nós levamos por tabela, claro. Só não se esqueça de uma coisa: em Portugal, há uns anos só passado 3 anos os emigrantes (geralmente africanos, mas não das ex-colónias) tinham direito ao nosso miserável rendimento mínimo. Hoje o acesso é automático. Nós, país pobre, estamos a percorrer o trajecto contrário ao RU com aumentos das despesas na SS e do défice orçamental. Se eu fosse britânico, apoiava Cameron.

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Em Leeds há mais imigrantes paquistaneses e indianos do que nativos, se exceptuarmos os milhares de estudantes ingleses que vêm de todos os counties do país. Acredito que queiram estancar essas entradas - até por razões de egurança nacional - mas a verdade é que sem eles, a Inglaterra não teria o crescimento económico de que usufrui. É raro encontrar um taxista inglês, por exemplo. Os restaurantes e take aways são quase todos asiáticos e excelentes. As lojinhas de informática, idem. Nem parece que vivemos na Europa, não foram o clima e os campos e, acima de tudo, a cultura britânica subjacente.

      Eliminar
  3. Ao escrever esta entrada, não defendi nem a posição de Cameron, nem a dos que são euro-cépticos. Sei que a minha filha beneficiou do NHS em três ocasiões críticas e foi tratada maravilhosamente sem nada pagar. Como estudante, teve sempre acompanhamento especializado grátis, durante cinco anos. A minha opinião sobre os serviços, com que lidei de muito perto, não poderia ser melhor. Quem me dera que os nossos fossem vagamente parecidos!
    Compreendo que não seja possível absorver tantos imigrantes e oferecer-lhes os mesmos privilégios que são dados aos nativos, mas fico desgostosa de ver o RU separado da UE, pois é o meu pais de eleição, talvez porque é único ( para mim).

    ResponderEliminar
  4. Compreendo na totalidade a sua preocupação com a Luísa, nada disso está em causa, eu também ficava muito preocupado.
    Quanto ao RU, vem na história, eles sempre acharam que o continente são eles e a Europa uma mera península. Acho piada à sua postura, volantes ao contrário, medidas e pesos deles, enfim, um imenso orgulho na toda poderosa ex-potência colonial. O Ru é mesmo único.

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. É bom lembrar-te que frequentei um colégio inglês dos 4 aos 10 anos - de 1950 a 56 - na época áurea do pós-guerra, em que a Inglaterra era nossa aliada e vitoriosa. Os meus Pais achavam os ingleses superiores em tudo e fomentavam em nós essa cultura. Quando mudei para o liceu, estranhei imenso o ensino formal e estupidificado, a falta de liberdade de expressão, as restrições à cultura e pensamento uniforme dos professores. Só fui a Inglaterra pela 1ª vez em 1969, mas conhecia o país profundamente.

      Eliminar
  5. Vou começar pelo fim, Virgínia ! Todos os animais são iguais mas alguns são mais iguais do que outros. Esta frase, que está traduzida, emprega-se em várias situações. A que expõe é uma delas. Que grande escritor foi G.O. Depois de ler dois dos seus livros a minha mentalidade política/social mudou de forma radical...
    Conheci duas meninas criadas em berço de ouro que foram para a Inglaterra fazer o trabalho que anuncia. Na altura fiquei espantada, porque estava habituada a ver jovens emigrarem por motivos de carências económicas, e era cá umas peripécias que faz favor o que tinham de fazer para entrarem em países estrangeiros..!Normalmente iam para os EUA ou Canada. Mais tarde percebi as razões das meninas de pais com poder monetário saíram do País.E agora que explica confirmou-se.
    Até ao 25 de Abril de 1974 não senti de forma consciente que vivia aprisionada de liberdades. As que tinha ou não tinha achava que era normal. Depois é que fui vendo o outro lado da vida. Mas, inconscientemente sempre senti que havia mais terra para além do mar. Por duas duas vezes pude na boa ir para um país estrangeiro, no Canada. A primeira só me faltava o visto , tinha sete ou oito anos . Meu pai achava que aquela terra não era para mulheres , Até me dá em rir. Da segunda era também menor e já órfã de pai , 16 anos, mas a minha mãe achou por bem ficarmos onde estávamos...
    Agora estou a fazer contas. A minha filha vive em Londres e faz os descontos vai para seis anos... Olhe, se não for possível lá ficar há-de ir para outro lado...
    Gostei do seu depoimento!

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Gosto sempre das suas observações e experiências, Madalena. Sei que muitos açoreanos emigraram para os EU e Canadá, há grandes "colónias" de portugueses em todo o lado. Os sacrifícios são enormes e a adaptação deve ser dificílima, mesmo quando a comunidade se ajuda mutuamente. Gostava de ver programas na Tv que tratassem destes problemas, volta e meia lá fazem uma reportagem, mas nada de concreto e verdadeiramente útil. O meu filho viveu na Alemanha durante sete anos e tb teve sempre serviços de saúde ( inclusivé dentista) de graça, mas agora só terá aquilo que os cidadãos europeus usufruem. E já não é mau!

      Eliminar
  6. Já fui a Londres n vezes, este n anda para lá das 20, a 1ª eu e a minha irmã em 1968 e foi presente de fim de curso dos meus pais. A minha irmã tinha tido um ano na Alemanha. Depois disso variadissimas vezes com o meu marido, quando os filhos passaram a viajar connosco, umas 3 e depois de reformados umas tantas. É sempre uma boa escolha quando não se quer ir muito longe e se quer passar fronteiras!

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Não me refiro ao turismo, é claro que todos podemos lá ir e usufruir ( e pagar) das benesses culturalmente acima das que temos nos nossos países, sobretudo para quem sabe bem inglês e ama a Arte ou Música. O que refiro é emigrar para esse país, como aconteceu nestes 4 anos em que muitos enfermeiros e médicos foram para lá trabalhar. Julgo que os que lá estão vão continuar a beneficiar do NHS, mas de 2017 em diante, acabou-se. Se O referendo for Não, então o RU sairá da UE e as coisas complicam-se mesmo.

      Eliminar
    2. "Wait and see"!
      Mas olhe que conheço dois casos, e não é por dificuldades na língua, que continuam a preferir tratar-se a Portugal, no nosso SNS!!!

      Eliminar
    3. Cada caso é um caso...

      Nunca pensei ter de passar por aquilo que passei em Leeds - nem gosto de falar no assunto - mas não posso estar mais grata por aquilo que fizeram pela minha filha...basta dizer que durante meses, conseguia falar com ela todos os dias pelo telemóvel ou telefone. Nunca esquecerei a cordialidade e competência das pessoas que lidavam com ela, desde os enfermeiros até aos médicos. Nada sei sobre outros serviços, nunca fui ao médico em Inglaterra. Tinha uma prima que ia todos os anos para lá nas férias e trabalhava nos hospitais de Londres. Sempre ouvi dizer bem do NHS.

      Eliminar