sábado, 7 de outubro de 2017

Camilo Pessanha

Há coisas na vida que não se esquecem. Ou porque nos traumatizaram e deixaram marcas ou porque foram tão belas que a nossa memória as perpetuou e não quer apagar.

Quando entrei para a Faculdade de Letras, pouco conhecia de poesia portuguesa e ainda menos da estrangeira. No liceu limitávamo-nos a estudar Camões e alguns poetas do sec XVII. Não estudei Fernando Pessoa, nem Sophia de Mello Breyner, nem Alexandre O'Neil, nem nenhum contemporâneo. E bem falta me fez.

Lembro-me de uma alusão vaga a Cesário Verde, cuja estátua ficava no Largo onde morava uma tia minha. Mas acho que pouco mais li dos simbolistas.


Na Faculdade, tive a sorte de ter como professor Joaquim Monteiro Grilo, cujo pseudónimo poético era Tomaz Kim;  viera substituir o grande David Mourão Ferreira, a fazer um sabático nesse ano.

Todos diziam que este professor era pior.
Pelo contrário, no que me toca.
Foi o meu professor preferido, a par de Yvete Centeno e Álvaro Pina. Adorei a cadeira, atirei-me a ela com unhas e dentes, ia às práticas todas, intervinha e até parecia que percebia alguma coisa de poesia. Tive o meu primeiro 16 - o único em toda a vida académica - e jurei que iria fazer tese de licenciatura com este professor.  O M. brincava com a minha paixoneta por um professor já pai de família. :)
Infelizmente dois anos depois, ele falecia em plena baixa de Lisboa, vítima dum ataque de coração. Morte súbita.  Lembro-me que fui ao funeral e chorei copiosamente.

Numa das primeiras aulas de Teoria de Literatura, ouvimos dois discos, um de violoncelo e outro de violino. No anfiteatro enorme, o som ressoava e fazia eco.
Tínhamos de falar sobre o efeito emocional que o som de cada instrumento exercia em nós, qual o mais sonoro, qual o mais alegre, qual o mais melancólico, qual o mais plangente e doloroso.

É claro que quase todos escolhemos o violoncelo como o mais melancólico e pungente.
Não sabíamos exactamente o que é que aquilo tinha a ver com a literatura, mas estávamos a gostar da aula no anfiteatro cheio de alunos muito novos.

Foi-nos então distribuído o poema de Camilo Pessanha, que aqui podem ler e que todos nós desconhecíamos.  Seguiu-se a sua análise. Aprendemos também o papel da aliteração na poesia simbolista.

Porque se comemoram agora 150 anos do nascimento deste grande poeta, quiz homenageá-lo aqui e ao meu querido professor, relembrando este episódio da minha vida, que ainda hoje me traz nostalgia.

Pode-se acompanhar a leitura com a audição das suites para violoncelo de Bach por Pablo Casals.


Chorai arcadas
Do violoncelo!
Convulsionadas,
Pontes aladas
De pesadelo...

De que esvoaçam,
Brancos, os arcos...
Por baixo passam,
Se despedaçam,
No rio, os barcos.

Fundas, soluçam
Caudais de choro...
Que ruínas, (ouçam)!
Se se debruçam,
Que sorvedouro!...

Trémulos astros...
Solidões lacustres...
—: Lemes e mastros...
E os alabastros
Dos balaústres!

Urnas quebradas!
Blocos de gelo...
— Chorai arcadas,
Despedaçadas,
Do violoncelo.

Camilo Pessanha (1900)


2 comentários:

  1. Não conhecia o poema (leio pouco poesia), gostei

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  2. Esta poesia foi dada na aula juntamente com um de Verlaine que já mencionei aqui. São simbolistas.

    Bjinhos

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