sábado, 29 de março de 2014

Dança macabra

Hoje tenho andado numa dança macabra de sentimentos, numa autêntica paleta, que vai do mais soturno e mórbido até ao mais onírico e esplendoroso.

A realidade é, por vezes, cruel, dá-nos maravilhas com uma mão e tira-nos com a outra.
Contemplamos embevecidos espectáculos como estes e assistimos, quase logo a seguir, a cenas de puro horror e desgraça humana.

"É a vida", dirão os mais despreocupados,
"Deixa p´ra lá" aqueles que se estão nas tintas
"Como é que é possível?" perguntam-se os que realmente se doem por dentro como eu.
 "Que fazer?",  reagem aqueles que, de alma e coração querem remediar os males do mundo.

Mas não há respostas.

Estive umas três horas na Foz. Almocei na Tavi com a minha filha, estava-se bem, ainda que a comida tipo gourmet não me satisfaça assim muito. Saímos de lá para tomar café no bar dos Ingleses, que continuava igual a si próprio, o melhor sitio do mundo para se estar nesta cidade e gozar do mar, apanhando os salpicos, mas não a espuma das ondas que esbarram contra a rocha empedernida a que chamo de esfinge. O estrépito das ondas, hoje, era fulgurante e muitas pessoas hesitavam em se sentar nos belos sofás que agora têm na esplanada, onde nos podemos refastelar ( é o termo), lendo, olhando para o mar, dormitando, ouvindo música ou pura e simplesmente meditando na vida. Os sofás até dão para nos deitarmos com a cabeça apoiada a olhar para o céu ou para o mar.



Há meses, porém,  que não consigo desligar a minha mente da tragédia do Meco e, ao olhar para as ondas a rebentar na areia, vem-me uma angústia enorme, como aquela que senti quando o pianista Bernardo Sassetti caiu das falésias há uns anos. Durante meses não conseguia deixar de pensar no que se teria passado naquele dia e o porquê daquela morte estúpida.

A morte é sempre odiosa, mas há mortes que nos enraivecem, mesmo quando não conhecemos aqueles que ela levou duma modo hediondo e cruel.
 Não compreendo como é que seis jovens foram levados àquele limite e com que intenção, quero que aqueles pais sejam reconfortados com uma resposta plausível, quero que alguém seja culpabilizado, revolto-me com a atitude de quem se cala perante tanto sofrimento. Numa capa de revista  na tabacaria vi o sorriso do Dux, jovem bonito como tantos outros, cujo silêncio neste momento suscita toda a espécie de sentimentos até o ódio nas pessoas anónimas que acompanham as notícias.

Durante horas estive numa espécie de nirvana - em êxtase - em plena comunhão com a Natureza. Ouvir Vivaldi e Bach diante dum mar de prata e um céu salpicado de nuvens faz esquecer tudo, esvaziamos a nossa mente de pensamentos maus e cantamos hinos ao Criador: "Jauchzet Frohlocket"...

Até que a realidade nos chama de novo e nos diz que o nosso bem estar é um privilégio pois a vida é cruel.

No autocarro, onde muitos velhotes conversam sobre suas doenças, entra uma mulher com um filho ao colo e uma menina, uma miudinha. O miúdo grita : Não, não, mais de vinte vezes. Não sabemos o que é que ele NÃO quer. A filha olha para a mãe com olhos aterrorizados, a mãe berra para ela a ajudar. Diz-lhe exactamente isto : Porque tu és burra, és burra! Quem é que te disse para te levantares? Não vês que não é nesta paragem que saímos, que é no Lordelo? C............, não fazes p......dum c........., minha m........! ( sic). A menina terá uns dez anitos ( a idade do meu Daniel), é franzininha e parece assustada. Pudera! Saem do autocarro no Lordelo e os passageiros olham uns para os outros incrédulos. Ninguém diz nada, está tudo petrificado. Pergunto-me ainda agora: Como será a vida daquelas crianças?

Tanta beleza por um lado, tanta miséria por outro.....



8 comentários:

  1. Hoje também não me sinto bem. Uma constipação que não me larga e me tira a capacidade de reagir. Quanto à mulher com as duas crianças, é triste pensar no que vai ser o futuro daquelas e para aquelas crianças. Mas é no presente que se prepara o futuro e o nosso presente é gerador de muitos sentimentos pouco propícios a um futuro melhor.
    Um beijo.

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  2. As melhoras, Graciete. Hoje está frio e chuva, mais vale ficar em casa...ou ir ao cinema como eu com a minha Luisa. Fomos ver o filme "Nebraska" que é lindo e me comoveu muitíssimo. Assusta-me imenso a velhice, sobretudo quando se vive em zonas completamente isoladas como as que o filme retrata e que tão bem conhecemos das nossas aldeias do norte ao sul. Um país que se prezasse pensava nos velhos, no seu acesso aos minimos cuidados de saúde e bem estar, velhos que trabalharam ua vida inteira, que combateram pela Pátria alguns deles....filmes desses são o retrato duma sociedade que se está nas tintas para os seus velhos....com excepções, graças a Deus.
    Aqui, nos bairros sociais à minha beira, a miséria é enorme. Não é só falta de dinheiro, é de tudo. Por isso gosto de andar de autocarro, para ver o outro lado, mesmo que seja chocante.Mas é difícil encontrar respostas para estes casos.
    Bjinho

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  3. Fantástico este teu post em que se confrontam dois sentimentos tão diversos : o êxtase perante a beleza e a angústia perante
    a crueza da vida.
    Ab
    Regina

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  4. Obrigada, Regina. Infelizmente a vida é feita de contrastes e perplexidades....seria tudo melhor se não houvesse tanta discrepância entre realidades. Ando em maré de interrogações e aflijo.me com tudo, comovo-me com filmes, gestos, palavras dos meus netos ou filhos....sei porque é, mas espero superar esta fase.
    Bjo

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  5. Nas minhas andanças pela Internet vim cair aqui! Foi um acaso feliz! Fiquei maravilhada com esta maneira linda de dizer as coisas! Agora está nos meus favoritos ou marcadores ou sei lá como lhe chamam. Hoje não resisti a agradecer a escrita, as fotografias e a disponibilidade para partilhar.Muito obrigada.

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  6. Rosa Maria,
    Não sabe como é bom ler palavras como as suas quando se escreve e muitas vezes não há feedback algum. Não sou do estilo populista, desejosa de elogios ou de salamaleques, mas gostava que por vezes me comentassem opiniões, contrariassem afirmações ou mesmo viessem aqui só exprimir o que sentem. Agradeço-lhe muito o seu comentário,mas espero que volte sempre!
    Bjinho

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  7. Priminhamiga

    Hoje, por cá, sinto-me criminosamente bem. Com um senão, apenas: a 1 de Maio já estarei (emos) nessa terra de mer... Mas o maldito ditado diz que não há bem que sempre dure... Sobre o mal tenho as minhas dúvidas que acabe rapidamente. Com Coelho & Portas...

    Bjs da Raquel & qjs eus

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    1. Ainda te falta um mês para descansar nessa terra abençoada. Goza -o bem. Por cá as coisas não são tão más quanto isso e se formos pensar na India, em geral, Deus meu, haveria muito que dizer em termos sociais!!

      Bjinhos aos dois

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