terça-feira, 16 de abril de 2019

A minha Via Sacra :)


Escrevo do jardim Botânico, onde passo os dias a meditar e a gozar dos prazeres da vida com a Natureza, os únicos que, neste momento, me são sagrados.


Mais um dia no meu refúgio, onde o verde é quase demasiado verde, onde as pedras rugosas se transformaram em blocos de musgo aveludado e as plantas parecem irmanadas à volta do charco numa prece silenciosa, que nem o ruído impiedoso da VCI perturba.



Pássaros chilreiam felizes e também se ouve o rouco coaxar das rãs. Uma pedra atirada ao charco leva algum tempo a desenhar círculos, tão denso é o lodo.
O cheiro do eucalipto é inebriante e relembra-me as tardes frias passadas na casa dos meus avós à roda da braseira ardente. Tenho os dedos impregnados por estas bagas e de repente, ao cheirá-los,  volto à infância feliz doutros tempos. Até me parece ouvir a voz do meu Pai dizendo que braseiras fazem mal à saúde....os meus Avós não tinham aquecedores a óleo, nem dinheiro para pagar a eletricidade. Moravam num 5º andar sem elevador e até aos 82 anos, o meu Avô subia aquelas escadas praticamente todos os dias. Estava frio, mas eu sentia-me bem quentinha naquela casa. Nunca a esquecerei. A minha infância sem essas memórias seria muito mais pobre.


Já tudo partiu, já tudo findou há quase 50 anos,  mas eis que tudo ressurge num subconsciente que não morreu.

Este cheiro das bagas de eucalipto também me faz recordar passeios com o meu M. no Vale de Canas em Coimbra quando conseguíamos fugir de todos e estar sós. Era aí que nos beijávamos sem medo, nem pudor, como se não houvesse amanhã...

Adoro este cantinho onde só se ouvem algumas vozes de jovens turistas numa algaraviada imperceptível. Os pássaros respondem lhes na mesma toada ainda mais sonora.


Paraíso ou não depois da morte, já o encontrei neste recanto.
Tomo-o por garantido, meu, enquanto puder deslocar me até aqui.
Tão meu, quanto estas árvores centenárias, que, se pudessem falar, contariam histórias inimagináveis de amores correspondidos, sonhos intangíveis, poemas inacabados...vidas passadas que poderão ter-se incarnado nalgum ser ali escondido...quem sabe?

4 comentários:

  1. Que bela via sacra! Divina no texto que nos remete para cores, aromas, silêncios e movimentos. Gosto muito das suas descrições. Beijinho

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    1. Muito obrigada,Julia. Fossem todas as vias sacras assim.. .Boa Páscoa 😘

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  2. Todas estas datas de festas familiares são sempre pesadas. A ausência dos muitos, parece que ocupam o lugar que lhes pertenceu, e nem o barulho e risadas dos presentes conseguem amortecer. Inventem se novos air bags.... Em passando, vamos dizer, prova superada. Beijinho

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  3. Dantes era mesmo uma via sacra, receber todos os familiares do meu marido em casa, fazer o cabrito no forno com tudo, pão de ló e tarte de amêndoa. Depois aturá-los toda a tarde com chazinhos pelo meio. NÂO! isso nunca mais. Tenho os filhos comigo, os netos vão dar uma volta mas voltam no domingo para um cozidinho a maneira. Tudo está bem....

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