terça-feira, 2 de abril de 2019

Sophia vem com a Primavera



Este ano quase que nem dava por ela, tal o calor já quase de verão. Mas hoje o ventinho típico desta estação fez-me relembrar tardes lisboetas em que nenhum casaco chegava para atenuar o friozinho que sentia.

O Porto tem muito menos vento que a capital, graças a Deus. É raro estar nortada, a não ser à beira-mar. Aqui na minha zona, as árvores dançam com a brisa, mas não se agitam como os choupos do jardim da minha casa de infância, cujo restolhar era um regalo para os ouvidos ao fim da tarde. Só no jardim se estava bem, abrigado do vento primaveril.

O jardim Botânico e Rua António Cardoso fazem as minhas delícias na Primavera. São mesmo um hino à natureza, com os seus cambiantes de verdes e flores matizadas em todos os tons que a paleta do pintor pode criar.

Passo o tempo a passear por aqui, dado que andar muito não me é permitido. Hoje andei 2km e isso já me obriga a um esforço grande.

Numa semana os rodondendros encheram-se de flores e o botânico parece decorado para um casamento. Muitas outras flores salpicam os verdes junto aos buxos de que falava Sophia.

Ela, aliás, falou tanto deste jardim, que, nesse tempo, tinha uma área dez vezes superior à que tem hoje e chegava ao rio. É uma dor de alma pensar nas espécies arbóreas que se perderam, nos campos e hortas, tudo dizimado para construir a malfadada VCI que ainda hoje aterroriza o mais hábil condutor. No fundo do jardim, já não há pássaros, só se ouvem os carros e camiões que percorrem essa via. Criminoso.

Encontrei um site onde estão registados inúmeros textos de Sofia sobre a Casa Andresen e o jardim e transcrevi-os no meu diário, juntando-lhes fotos dos mesmos. Ficam para memória futura. Este ano é o centenário do nascimento da poeta, não há dia em que me não lembre dela, não porque admire loucamente a sua poesia, mas porque ela fala dos sítios que eu gosto e imagina histórias que eu própria gostaria de ter escrito quando era criança.

Hoje fico por aqui. Mas voltarei a Sophia, como volto sempre ao Botânico, o seu jardim.

É este o site em questão:

www.scielo.mec.pt


                        O JARDIM E A CASA





Não se perdeu nenhuma coisa em mim.

Continuam as noites e os poentes

Que escorreram na casa e no jardim,

Continuam as vozes diferentes

Que intactas no meu ser estão suspensas.
Trago o terror e trago a claridade,
E através de todas as presenças
Caminho para a única unidade. 



Sophia de Mello Breyner Andresen | "Poesia", 1944

Entrava-se pela quinta, pelo lado dos campos, por um portão de ferro que, depois de o passarmos, ao fechar-se batia pesadamente. Em frente surgia a casa, enorme, desmedida, com altas janelas, largas portas e ampla escadaria de granito, abrindo em leque. Na parte de trás, corria uma longa varanda debruçada sobre os roseirais do poente. (...) Tudo na casa era desmedidamente grande desde os quartos de dormir onde as crianças andavam de bicicleta até ao enorme átrio para o qual davam todas as salas e no qual, como Hans dizia, se poderia armar o esqueleto da baleia
que há anos repousava, empacotado em numerosos volumes, nas caves da Faculdade de Ciências por não haver lugar onde coubesse armado. (...) 












7 comentários:

  1. “... da poeta,..” não, da poetisa!

    ResponderEliminar
  2. Agora não se usa poetisa, mas poeta, desculpe.

    ResponderEliminar
  3. Para melhor entendimento:

    Uma mulher que escreve poesia é uma poeta ou uma poetisa? Novamente, para o desespero dos boçais linguísticos que odeiam a riqueza da língua portuguesa, por lhes privar do prazer de apontar erros aos demais e corrigi-los, é este um caso em que tanto faz: “a poeta” é forma tão correta quanto “poetisa”, como se lê em boas gramáticas atualizadas

    ResponderEliminar
  4. É nas gramáticas que se vê o significado das palavras? Cito (... como se lê em boas gramáticas atualizadas!) eu julgava que o significado das palavras se encontrava nos bons dicionár
    ios!

    https://dicionario.priberam.org/Poetisa

    ResponderEliminar
  5. As gramáticas é que definem os plurais - vários - para cada palavra. O dicionário só lhe dá o significado em contexto. Mas com estes comentários está a desvirtuar o objectivo da escrita deste texto. Chama-se discutir o sexo dos anjos :)
    Passe bem com poetas ou poetisas a inspirá-lo/a.

    ResponderEliminar
  6. Sem querer retomar a polémica, a própria Sophia se intitulava "poeta" (https://ciberduvidas.iscte-iul.pt/consultorio/perguntas/poeta-ou-poetisa/13063)
    Perante textos tão belos, discutir o sexo dos anjos, não faz qualquer sentido.
    Ab
    Regina

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Obrigada, Regina. Nada como uma verdadeira poeta para me defender neste campo tão melindroso e quiçá fútil. Escrevi este post durante horas e vem-me um comentário destes estragar a festa?!
      bjos

      Eliminar