quarta-feira, 23 de julho de 2014

Deambulações

Desde que os meus netos foram para Serpins para casa dos avós, tenho-me habituado à ideia de que este estado de coisas - a sua ausência - vai permanecer durante o próximo ano.

Não ouvirei bater bolas ou risos e gritos no pátio, não terei o meu neto mais velho a tocar-me à campainha dia sim, dia sim, não ouvirei o seu violino aqui só para mim, nem terei a sua companhia para ver os jogos de futebol, vibrando em conjunto e abraçando-nos quando o FCP marca golos. Também não verei os pequenitos a fazer desenhos para pendurarmos com ímanes no frigorífico, nem a reclamar os palmiers do Froiz. Ao fim de algum tempo habituar-me-ei a viver só no Campo Alegre, onde a alegria - a minha - será muito diminuta.
Nem skype , nem tm substituem a presença das crianças, os adultos bem podem tentar consolar-nos com estas baboseiras. A criança só existe a sério quando está, feliz, ao pé de nós.


Nestes dias procurei não pensar em ausência, mas sim na existência de lugares onde me sinto bem nesta cidade e que são bastantes, mau grado a degradação dos prédios, das lojas antigas, de locais carismáticos que foram morrendo irremediavelmente.

Hoje estive na Baixa e senti-me em casa, apesar de tudo.
Dantes ia lá muitas vezes e o metro nessa altura ficava à beira da minha casa, de modo que me punha no Bolhão em 10m. Há, ou havia,  lojas que me ficaram na memória, mesmo antes do Via Catarina e da Fnac.
Lembro-me, por exemplo, da discoteca Roma, com três andares de CDs convidativos, da Pollux cheia de objectos e roupa para casa ( ainda existe), duma pequena loja com roupa de criança em Santa Catarina, onde comprei muitas pecinhas para os meus netos bébés. Havia as Galerias Palladium, o Majestic, a Papélia com todo o manancial de papelaria super atraente, a Casa Forte, visita imperiosa antes das férias e a Casa Chinesa ( ainda existe) , onde me deliciava com os odores das especiarias e dos chás. O que resta? Não sei.

Hoje fui à Casa dos Linhos e verifiquei que se organizam lá cursos de trabalhos manuais. Na montra tinham peças expostas para venda e eram realmente lindas. Fiquei com vontade de saber mais sobre essa actividade, pois sempre adorei fazer trabalhos manuais e estar à volta duma mesa com pessoas criativas é uma experiência apelativa. Aliás já uma vez encontrei lá um grupo e pareceram-me muito satisfeitas e sorridentes.



Desci depois a Rua Sá da Bandeira toda, constatando que há quarteirões inteiros sem uma loja, mas com tapumes horríveis e muros de tijolos barrando as entradas e janelas. Um horror, até parece que o Porto foi bombardeado recentemente. Como é possível deixar degradar prédios lindos desta maneira? A Lei das Rendas dá-nos a resposta e a falta de civismo e cidadania também.

De que serve transformarem a Praça D. João I em recinto desportivo com sessões para pessoas de todas as idades a dançarem que nem tolos ao som de música altíssima, se à volta só se vê degradação?

Felizmente a minha loja favorita - Sousa Ribeiro - ainda não morreu e continua a oferecer tudo o que se possa imaginar em matéria de artes: telas, caixas de madeira, tintas, colas, pincéis, blocos de papeis, lápis de cor, aguarelas, um manancial saboroso para quem gosta de pintar. 

Sentei-me num sofá por uns intantes para descansar o joelho e olhei à volta. Adorava ter uma loja destas ou de poder usufruir deste ambiente de trabalho. Nos ateliers não há nada disto, só pessoas a tagarelar o tempo todo, a fofocar, sem respeito pelo acto criativo. Foi por isso que deixei há anos de pintar numa escola. Sei que isto poderá chocar os meus leitores , mas é o que sinto!

Antes de apanhar o autocarro para casa, resolvi almoçar numa churrascaria, onde o franguinho me soube pela vida. Só paguei 4 euros por tudo. Ainda há coisas boas nesta cidade.

9 comentários:

  1. Um dia bem passado embora a mim não me agrade muito passear por esta cidade tão degradada. Mas o tempo passa tão depressa que, dentro de um instante, terá toda sua família consigo.

    Um abraço

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  2. Também me custa ver a cidade assim, mas preciso de sair daqui de vez em quando e sempre preferi zonas com lojas a avenidas com muitas árvores, mas sem vida. Vivi no Restelo em Lisboa durante 20 anos e sempre fui avessa às vistas lindas sem contrapartida de lojas elocais publicos animados. Fui mais feliz no centro de Lisboa onde vivemos 2 anos antes de me casar. O meu ideal era continuar na Ramada Alta, onde apesar de tudo via gente.

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  3. Não conheço "esse" Porto degradado de que fala. Mas conheço, e bem, a Baixa de Lisboa que é uma autêntica miséria. Onde estão os nossos políticos que não fazem nada para inverter estas situações?

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  4. Desculpe, só agora vi que o seu post tinha sido escrito aqui. Já há muitos anos que não vou à Baixa de Lisboa, mas quando era jovem adorava lá ir. Nas fotos que vejo - e nas telenovelas que se passam sempre em Lx - mostram sempre uma cidade de cara lavada e eu até fiz o reparo à minha filha de que Lx era muito mais bonita em termos de preservação. Será que estou enganada?

    Obrigada pelo seu comentário! Precisávamos de gente capaz para fazerem uma revolução!!

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  5. Virginia, quanto à ausência dos netos, compreendo o seu desânimo . Também comovo-me com estas coisas e já vivi em situações semelhantes. Não com os netos porque só há quatro meses é que sou avó.... Posso imaginar e dar o valor da tristeza que vai na sua alma! Mas é uma senhora inteligente e vai saber dar a volta!... Acho que começou ao fazer um lindo roteiro pela cidade do Porto...
    Está a ver porque gosto de ler o que escreve , diz coisas que vão de encontro ao que sinto e penso. As conversas e ajuntamentos de "capelinhas" são para mim super aborrecidas .Ah, pois são...E fico-me por aqui sobre este assunto.

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    1. Tenho vários problemas que me causam inquietação, mas quero acreditar que tudo vai correr bem e eu que não acredito em Deus, tenho a sensação de que Alguém já olhou pelos meus em alturas dramáticas. Quero crer que isso vai continuar e que eles vão ser felizes e manter a saúde e alegria longe de mim...mas não sei, a Vida dá muitas voltas.
      Bjinho e bom fim de semana!

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  6. Quando estive no Porto, o ano passado, também me chocou encontrar a cidade tão degradada. Não percebo nem consigo acreditar que não seja possível criar condições para as pessoas poderem cuidar do seu património.

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  7. O problema principal, Gi, é a lei das rendas e os prédios devolutos que são aos milhares. Há anos que vão sendo abandonados e ninguém tem dinheiro para os manter. Sei isso bem porque tenho pessoas na família com esses problemas. Hoje ninguém quer casas velhas que custam um balúrdio para redecorar. Aliás ninguém compra casas aqui no Porto...

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    1. Sim, também estou a par desses problemas. E com o IMI a subir ainda por cima...

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